Ana Hatherly - Autorretrato |
TISANA 29
Quando cheguei
a casa o meu porco Rosalina estava a escrever à máquina. Fiquei num grande
estado de perplexidade e por isso perguntei o que estás aí a fazer. Sem erguer
a cabeça Rosalina apontou com o chispe para o papel convidando-me a ler. A
folha estava em branco porque Rosalina tinha retirado a fita da máquina para a
enrolar na sua encaracolada cauda que nesse momento agitava com prazer.
Rosalina foi sempre o que me impeliu ao mergulho na metafísica. Por isso sem
dizer nada dirigi-me para a cozinha. Abri a gaveta dos talheres. Tirei a grande
faca do estojo do trinchante. Acendi o lume e pus a grelha a aquecer. Dirigi-me
de novo para o escritório onde Rosalina escrevia à máquina. Cortei-lhe algumas
febras do lombo. O suficiente para uma bela refeição. Cortei também um pedaço
de fita para enfeitar a travessa.
Ana Hatherly, 351 Tisanas. Lisboa: Quimera (1997)
(Ana Hatherly: Porto, 8 de maio de 1929 – Lisboa, 5 de agosto de 2015)
De uma criatividade refrescante! Fez-me lembrar a ficção e o mistério da escrita de Murakami. Bonita homenagem à tua mentora!
ResponderEliminarApresenta algumas semelhanças, muito embora a sua escrita deva remontar a uma data anterior a qualquer tradução para português da obra de Murakami...
EliminarQue criatividade!
ResponderEliminarO personagem principal é o meu melhor amigo…