16 de setembro de 2022

Merendas, lanches, farnéis & piqueniques

CAROLE FORÊT
Picnic at the Eifell Tower

[Fine Art America, 2015]

Em criança, as refeições ligeiras ao ar livre faziam-se a meio da tarde e ainda não eram designadas de piqueniques. Tinham lugar na Mata Real das Caldas da Rainha, num espaço especialmente preparado para o efeito e com o nome pomposo de Parque das Merendas. Também nos dispensávamos de estender as toalhas no chão e expor o farnel a todos os elementos de cada um dos grupos de crianças e adultos ali presentes. Havia mesas de pedra e bancos de madeira colocados em duas filas paralelas. No fundo do corredor assim formado, havia uma fonte à disposição de quem quisesse refrescar-se com a água fresca oriunda duma nascente local. Ainda me lembro do aqueduto que a transportava até nós mas já me esqueci da ementa preparada para o efeito. Umas fatias de pão com doce ou manteiga, uma bebida natural e uma peça de fruta. Depois brincávamos uns com os outros também já não sei bem a quê.

Quando me viciei na leitura dos Livros dos Cinco da Enid Blyton, fiquei fascinado com os lanches preparados pelo grupo, a que davam o nome sugestivo de piquenique. A nova palavra entrou de imediato no meu vocabulário e no dos meus primos que em tempo de férias nos juntávamos na Lourinhã a dois passos da praia da Areia Branca. De manhã apanhávamos banhos de mar e sol e à tarde rumávamos ao Pinhal Grande, situado a meio caminho entre a vila estremenha e o litoral atlântico. A imitação das sandwichs britânicas era improvisada com os ingredientes disponíveis à data nas mercearias locais. À falta dos fiambres e salames referidos, contentávamo-nos com umas sandes de chouriço e queijo, cercados de folhas de alface e rodelas de tomate, rematadas com uns ovos cozidos, umas tiras de cenoura crua e um sumo caseiro de fruta estival. As brincadeiras juvenis ganhavam então sentidos suplementares difíceis de descrever.

Com a chegada da idade adulta, as merendas, farnéis, merendas e piqueniques multiplicaram-seDestaco os realizados em Sintra, nos embalses do Guadiana, à beira do Mont Saint-Michel, na Fôret de Brocéliande, no Parc Georges Brassens de Paris, no Jægersborg Dyrehave dinamarquês, no Killarney National Park irlandês do Kerry e até no St. James's Park de Londres. Aqui por baixo, as nascentes naturais da serra algarvia têm servido de palco privilegiado. Depois veio a pandemia, a estiagem e os incêndios e o piquenicar sazonal terminou abruptamente. A inércia instalada tem impedido que a toalha se tenha voltado a estender no chão e se encha das iguarias pantagruélicas usuais nestas ocasiões. As rillettes, os pâtés e os fromages franceses de mãos dadas com os pastéis de bacalhau, os rissóis e os croquetes portugueses deixaram de assinar o ponto há uma eternidade já. Dá para perguntar até quando assim será. 

3 comentários:

  1. Recordações felizes de piqueniques de uma vida! Levas-me a relembrar os meus, em zonas de ribeiras ou na orla do mar na infância em Cabo Verde, aos de Monsanto ou Sintra ou da Costa da Caparica quando adolescente, às ocasionais em férias no sul de Espanha, em Paris no Bois de Boulogne, em Londres no Hyde Park e por aí fora, em ocasiões por vezes improvisadas... Lembranças que refrescan a alma!

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  2. Durante a infância e até ao período da revolução, uma ida à praia durante o período da manhã implicava um piquenique nas matas adjacentes: habitávamos nos Olivais Sul, em Lisboa, frequentávamos as praias da linha.
    Era uma odisseia: deslocávamo-nos de transportes públicos: autocarro + comboio.
    Imaginem: a mãe + 5 filhos (o pai trabalhava)+ o farnel.
    Recordo que se levava “arroz de frango” ou “pastéis de bacalhau” com arroz do dito!
    Outros tempos…

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  3. Apetitoso, esse post! Bate saudades... Durante anos, joguei basquetebol. Nos dias de treino, recebíamos do clube um lanche - "sandes de chouriço e queijo, cercados de folhas de alface e rodelas de tomate, rematadas com uns ovos cozidos", exactamente isto! Vinha também, para beber, um guaraná...

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