«"O PEDRÃO é nosso!", exclamou certo funcionário da cripta imperial, localizada abaixo do Monumento à Independência, no bairro paulistano do Ipiranga, ao ter a certeza de que o sarcófago de granito verde que protegera durante anos não estava vazio. Havia realmente algo lá dentro, ao contrário da descrença exteriorizada por um taxista que conduzira um fotógrafo até lá: "Você vai fazer o quê lá em baixo? Não tem nada lá, não!"»
Dom Pedro de Alcântara (1798-1834) nasceu e faleceu no Palácio de Queluz, no seio dos Bragança e Bourbon. Na sua curta existência de 34 anos repartida por dois continentes, assumiu sucessivamente os títulos de Infante, Príncipe, Imperador, Rei e Duque, adornados com os estilos de Alteza Sereníssima e Real e de Majestade Imperial e Fidelíssima. No cenário aristocrático que sempre pisou, foi filho e neto de reis e imperadores, e pai dum imperador e duma rainha. Deteve a coroa imperial brasileira e a real portuguesa até ter abdicado das duas. Casou-se com uma arquiduquesa austríaca e uma princesa francesa, tendo mantido um número incerto de amantes, com quem gerou um número impreciso de filhos naturais e bastardos. Todos estes dados são referidos nos anais históricos que até nós chegaram, com maior ou menor precisão factual. O investigador brasileiro Paulo Rezzutti reune-os numa obra de divulgação biográfica do monarca, intitulada D. Pedro [IV]. A história não contada. O homem revelado por cartas e documentos inéditos (2015).
Publicado no segundo centenário da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, a meia dúzia de anos do Dia do Fico, o registo analítico do percurso de vida do rei-imperador das duas coroas brigantinas reparte-se por três sequências centradas nos espaços cénicos em que os eventos evocados ocorreram: Portugal (P.I: 1798-1808), Brasil (P.II: 1808-1831) e Europa (P.III: 1831-1834). A completar a informação dada, este núcleo medial está limitado por um Prólogo e um Epílogo tradicionais, seguidos duma Cronologia, Notas, Bibliografia, Crédito de Imagens e Agradecimentos. O estilo do relato apresenta uma fluidez discursiva assinalável, destinado a um público leitor alargado, menos propenso à linguagem hermética que alguns textos académicos por vezes enfermam.
É um lugar comum considerar o reinado de Dom Pedro IV como o mais breve do regime monárquico, vigente de 10 de março a 2 de maio de 1826, o que perfaz uns meros 51 dias. Esta contagem tão exígua não é perfilhada por todas as fontes, levando algumas delas ‒ como será o caso da página em linha do Parlamento ‒ a dilatá-la de 1826 a 1834, i.e., desde a morte de Dom João VI até à aclamação de Dona Maria II, excluindo assim liminarmente Dom Miguel da lista real aceite como tal. A discrepância significativa no cômputo das cabeças coroadas ou simplesmente aclamadas não merece a atenção explícita do ensaísta em apreço, muito embora estas minudências históricas acabem por marcar uma presença naturalmente implícita. O seu interesse recai mais no trajeto vitorioso de Dom Pedro I, enquanto primeiro Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, do que na de efémero trigésimo primeiro Rei de Portugal e Algarves e dos demais senhorios acumulados e ampliados pelos seus avoengos ao longo dos séculos.
Para um leitor português, é justamente essa faceta exótica brasílica menos conhecida entre nós que desperta mais atenção. A resenha bibliográfica em boa hora encetada pelo popular youtuber paulista transforma-se, a breve trecho, quase no guião dum acabado romance histórico oitocentista ou numa genuína novela televisiva de grande sucesso mediático. Os amores/desamores do Libertador da Terra de Vera Cruz e Rei-Soldado da Pátria Lusitana, as intrigas de bastidor, as tricas de alcova e as polémicas de palácio tecidas aquém-e-além Atlântico, as rivalidades familiares entre várias gerações e ramos dos Braganças luso-brasileiros, os mitos e contramitos que a tradição romântica coeva e tardia foi tecendo à sua volta contêm, todos eles, itens vitais para perpetuar a sua presença na memória coletiva dos povos de duas nações. Os dados estão lançados, a leitura integral do texto aconselha-se, útil todo ele para nos dar uma imagem mais nítida da personalidade controversa do filho rebelde criado no mais ultramontano e ancilosado Absolutismo régio e lhe deu a roupagem triunfante e renovadora do Liberalismo.
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Edição brasileira da Leya |