JR – Picnic – 2017 |
TROCAS POR TROCAS
Em meados de setenta, uma ida a Espanha continuava a ser uma aventura cheia de burocracias. Os cravos de abril já tinham arrumado de vez as manigâncias mais cabeludas do tempo da outra senhora, mas ainda havia muitas arestas a limar. Os passaportes continuavam de pedra e cal a ser exigidos sem exceção a todos os viandantes raianos, acompanhado da licença militar para os homens em idade de reserva, devidamente controlados dum lado e doutro da fronteira. Trâmites legais rigorosos que a adesão à CEE e ao espaço Schengen aligeirou drasticamente. Realidade que para as gerações nascidas nos dias de hoje lhes parece pertencer à mais pura ficção.
Numa ocasião, deixei os salvo-condutos em casa e foi-me vedado varar o Guadiana. Nesses antanhos, uma peseta valia seis tostões e as compras no lado de lá saíam mais em conta do que do lado de cá. Ilusões que o euro desfaria sem pena nem compaixão na viragem do milénio. Sentado ali à espera do regresso da minha cara-metade, anotei o tráfego dos ferrys de serviço: toalhas, tabaco e café para lá; duralexes, chocolates e perfumes para cá. Registei ainda a ida de esfregonas e baldes com flores pintadas para Ayamonte e a vinda de trapeadoras y baldes sin flores pintadas para VRSA. Trocas por trocas, um motivo floral a mais ou a menos faz a diferença.
As trocas a que o poder dos homens assim obrigava.. Transação vigiada mas possível, nada comparado com as perigosas trocas raianas durante a ditadura, que punham em risco a vida dos homens que o seu sustento buscavam. As gerações de hoje só sabem do custo de vida, não sabem da luta pela vida...
ResponderEliminarCada geração com os seus problemas específicos. Vá-se lá saber quem fica a ganhar ou a perder...
EliminarDe facto, outros tempos, no entanto, o saldo das trocas de bens e serviços entre vizinhos ibéricos continua a pender para o outro lado, não obstante ser o primeiro destino das nossas exportações!
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