José Afonso
Amigo, maior que o pensamento | Por essa estrada, amigo vem | Por essa estrada, amigo vem | Não percas tempo que o medo | É meu amigo também | Não percas tempo que o medo | É meu amigo também || Em terras, em todas as fronteiras | Seja bem-vindo, quem vier por bem | Seja bem-vindo, quem vier por bem | Se alguém houver, que não queira | Trá-lo contigo, também | Se alguém houver, que não queira | Trá-lo contigo, também || Aqueles, aqueles que ficaram |Em toda a parte, todo o mundo tem | Em toda a parte, todo o mundo tem | Em sonhos me visitaram | Traz outro amigo, também | Em sonhos me visitaram | Traz outro amigo, também.
Vivi em Campo de Ourique na primeira metade dos anos setenta. Já o disse por aqui uma e outra vez acerca de muitos e variados assuntos. Havia então na rua Saraiva de Carvalho uma pequena mas bem fornecida livraria que eu frequentava sempre que por ali passava na esteira do 28 e um título ou outro me despertava a atenção. Foi na Compasso que descobri a verve satírica de José Martins Garcia no Katafaraum é uma nação (1974), certamente uma das últimas obras publicadas sob o regime da censura estado-novista. Foi ali também que adquiri o ensaio de Manuel Vásquez Montalbán, Joan Manuel Serrat (1972), e, pela mesma altura, duas breves antologias semiclandestinas de José Afonso, comentadas por uma dúzia de figuras com a visibilidade mediática possível na época.
Resgatei esse par de livrinhos dum canto pouco visitado da biblioteca da minha sala. Encontrei-os dispostos a relembrar-me as dezenas de versos compostos em redondilhas maiores e menores traçadas ao gosto popular das baladas, coros, canções, cantares, cantigas, cartas e cantos, registados nas páginas amarelecidas por mais de meio século dum repouso forçado. Faltava-lhes o registo das melodias que acompanhavam essas trovas dos tempos cinzentos anteriores aos cravos de abril, mas essas sei-as eu de cor e salteado à força de tanto as cantar às ocultas e em liberdade. As palavras musicadas do José Afonso são indeléveis, quem as ouve uma só vez fixa-as logo para sempre, de pouco valendo os silêncios impostos de então e os continuados de agora das rádios e das televisões.
No dia em que o grande renovador do modo de cantar entre nós faria 95 anos, já não ouço como outrora nenhum dos temas gravados em vinil, fita magnética e ótica digital. O YouTube chegou e lançou pouco a pouco cassetes e discos para trás das costas, convertendo as tradicionais aparelhagens grandemente obsoletas ou perto disso. O audiovisual veio, viu e venceu, a despeito de ter perdido em muito a qualidade de leitura. Abstraí-me desse senão e imaginei-me de novo integrado num grupo de jovens, sentados no chão dum sótão perdido do Chiado, a ouvir alguns dos mais conhecidos baladeiros da época nessa já longínqua tarde de 72/73. A voz e a guitarra de José Afonso ainda hoje me soa na memória, indiferente às muitas horas, minutos e segundos que cabem em meio século.
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Memórias sempre bem-vindas, meu amigo!
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