
「どの天皇様の御代であったか、女御とか更衣とかいわれる後宮がおおぜいいた中に、最上の 貴族出身ではないが深い御愛寵を得ている人があった。最初から自分こそはという自信と、親 兄弟の勢力に恃む所があって宮中にはいった女御たちからは失敬な女としてねたまれた。その 人と同等、もしくはそれより地位の低い更衣たちはまして嫉妬の焔を燃やさないわけもなかっ た。夜の御殿の宿直所から退る朝、続いてその人ばかりが召される夜、目に見耳に聞いて口惜 しがらせた恨みのせいもあったかからだが弱くなって、心細くなった更衣は多く実家へ下がっ ていがちということになると、いよいよ帝はこの人にばかり心をお引かれになるという御様子 で、人が何と批評をしようともそれに御遠慮などというものがおできにならない。御聖徳を伝 える歴史の上にも暗い影の一所残るようなことにもなりかねない状態になった。高官たちも殿 上役人たちも困って、御覚醒になるのを期しながら、当分は見ぬ顔をしていたいという態度を とるほどの御寵愛ぶりであった。唐の国でもこの種類の寵姫、楊家の女の出現によって乱が醸 されたなどと蔭ではいわれる。今やこの女性が一天下の煩いだとされるに至った。馬嵬の駅が」
O cume das letras japonesas de sempre é tido, por muitos, como o romance mais antigo de todos. Outros, mais contidos, preferem vê-lo como uma das obras matriciais da ficção universal, gizadas pela verve criativa humana, ou, apenas, candidata a primeiro conto, novela ou romance do mundo. Teria, também, as caraterísticas dum relato psicológico traçado à sombra duma saga familiar semi-histórica, oriunda do Império do Sol Nascente durante a vigência do período Heian (794-1185). Esse feito notável deve-se ao pincel de escrita da dama de honor da corte imperial conhecida por Murasaki Shikibu (973/978-1014/1031), que numa dezena de anos compôs os 54 livros, rolos ou manuscritos de extensão variável d'O Romance do Genji (c. 1005-1014), traçados com elegância e arte em carateres silábicos kana.
Tomei conhecimento deste relato monumental nas páginas iniciais redigidas pelo ensaísta britânico Felipe Fernández-Armesto, no não menos volumoso Milénio. A história dos últimos 1000 anos (1995), mas só agora tive a ocasião de o ler parcelarmente na versão portuguesa da Relógio d'Água. Esta visão incompleta reside no facto da editora se ter limitado a publicar em dois tomos os 33 capítulos da Parte I do texto, designado «Esplendor», sem clarificar se estará ou não previsto nos seus projetos imediatos dar à estampa os 21 capítulos remanescentes da Parte II, constitutivos da apelidada «Impermanência» e dos «Livros de Uji». Seria uma boa iniciativa editorial, a fim de termos um conhecimento integral de todos os pormenores do percurso existencial do Hikaru Genji, o Príncipe Brilhante, e da linhagem por si gerada, bem como da totalidade das 795 waka, poemas de 31 sílabas, adaptados à poética portuguesa distribuídos predominantemente por estrofes de cinco versos de redondilhas menores/maiores, numa aproximação vizinha da métrica original. Pedir um pouco mais, seria ainda incluir algumas das 80 ilustrações resistentes à voragem dos anos alusivas aos eventos abordados neste imenso prosímetro de intrigas políticas, aventuras amorosas, a sensualidade e o refinamento duma escrita feminina produzida num ambiente cortesão de ócio generalizado.
Um passar de olhos rápido pela estrutura deste «romance» nipónico permite-nos observar, ato contínuo, o quanto se afasta da tessitura narrativa helénica estabelecida mil e tal anos antes por Cáriton de Afrodísias no Quéreas e Calirroe (séc. I EC), este, sim, o mais antigo relato romanesco completo que até nós chegou, precedido dos fragmentos dispersos de muitos mais. De facto, se cotejarmos os amores constantes e aventuras peregrinas vividos pelo jovem casal de protagonistas gregos do período alexandrino, apercebemo-nos de imediato o quão distantes se encontram dos amores fugazes, frívolos e inconstantes do herói central da efabulação japonesa, fruto das fartas paixões efémeras, libertinas, volúveis, irrefletidas, adstritas aos padrões tolerados pelo clã Fugiwara, cujos membros se haviam tornado nos autênticos senhores do país. No contexto histórico em que são plasmados os factos reais/imaginários convocados, tanto no modelo ocidental como no oriental, permite-nos aceitá-los como naturais, já que culturas diametralmente opostas só poderiam gerar testemunhos logicamente distintos.
Malgrado o caráter inacabado já referido desta versão, assinale-se o cuidado tido na sua tradução e lançamento no mercado para um público comum, pouco familiarizado com um universo de referências civilizacionais tão distante do nosso. Nestes termos, destaque-se a importância crucial desempenhada pelo prefácio, anexos e notas, para entender melhor os sentidos obscuros deste monogatari, i.e., desta «narrativa de coisas», vertido por comodidade verbal no termo romance registado no título do livro. É através destes auxiliares de leitura ou guias de viagem pelo entorno histórico de imperadores e imperatrizes, de príncipes e princesas, de altos dignitários, de damas e cortesãos, que penetramos neste macrocosmo sofisticado de subtis perfumes, refinados trajes, singulares cores, de festas, certames, festivais, cerimónias e ritos mil, onde o gosto pela pintura, poesia, música, dança, literatura, arquitetura, educação e religião se estiram ao longo dum número desmedido de manuscritos elegantemente caligrafados para o porvir. A história do Genji, a apelação honorífica atribuída ao filho dum soberano, a quem é recusado o estatuto de shinnô ou Príncipe de Sangue. Este o tal romance que relata a saga do fundador (gen) duma nova linhagem (ji) de senhores, súbditos e descendentes do clã (uji), iniciado pelo herói central desta crónica medieval nipónica milenar.
