13 de junho de 2025

Nasci exatamente no teu dia...

SOUVENIRS DE LISBOA
«Santo António & Fernando Pessoa»

SANTO ANTÓNIO 

Nasci exatamente no teu dia —
Treze de junho, quente de alegria,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
 
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano. 
 
(Refleti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)

Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.

Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.
Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a veem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.

Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.

Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.

Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza, 
Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.

(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.

És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nulidade, a que se chama história,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.

És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.

És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,
E nesta hora em que vai alta a lua
Num plácido e legítimo recorte,
Atira risos naturais à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.
Sê sempre assim, nosso pagão encanto,

Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?

Fernando Pessoa: Santo António, São João, São Pedro
Fernando Pessoa. (Organização de Alfredo Margarido.) Lisboa: A Regra do Jogo, 1986.

10 de junho de 2025

Isabel Rio Novo, fortuna, caso, tempo e sorte no quinto centenário de Camões

«Luís de Camões nasceu décadas antes de os registos paroquiais, averbando os batismos, os casamentos e os óbitos, se tornaram habituais, logo a seguir ao Concílio de Trento [...] Se dependêssemos das palavras do Poeta, ainda hoje não saberíamos quando ou onde nasceu.»
Isabel Rio Novo, Fortuna, caso, tempo e sorte (2024)

Se o vulto maior das letras portuguesas, que hoje se celebra com um feriado nacional, faleceu neste mesmo dia de 1579/80 do calendário juliano então vigente, ou a 20 de junho do calendário gregoriano atual, faria por estas datas 445/6 anos de idade. Número pouco redondo para assinalar, segundo os padrões usuais nestas ocasiões, a morte de alguém, máxime se se refere a Luís Vaz de Camões, nascido em 1524/5, i.e., há cerca de meio milénio completo ou a completar. No que ao poeta lírico, épico e dramático cabe, a incerteza de destacar uma efeméride precisa do seu percurso pela vida é uma tarefa difícil de fixar, cada vez mais votada ao fracasso. Tudo se resume, pois, a meras suposições, conjeturas, suspeitas, deduções, pressupostos nunca comprovados na sua plenitude.

As dificuldades de trazer à luz do dia os momentos mais obscuros do percurso existencial do nosso Príncipe dos Poetas têm sido incapazes de travar o esforço hercúleo de alguns investigadores de ultrapassar essa lacuna multissecular, de resgatar das trevas mais profundas esses segredos há muito perseguidos e nunca revelados. Isabel Rio Novo encontra-se arrolada nessa longa lista, sobretudo através da monumental Fortuna, caso, tempo e sorte Biografia de Luís Vaz de Camões (2024). Lidas as setecentas e tantas páginas do livro, fica-se com a sensação da pertinência de anteceder muitas das afirmações proferidas com um asterisco (*), entendidas como meras hipóteses, bebidas no vasto acervo de fontes documentais consultadas, resultando numa acabada reconstituição do contexto histórico-cultural contemporâneo do biografado.

Guardadas as devidas distâncias, a sina de Camões parece seguir de muito perto a obtida por Homero. Para além do nome, e da cegueira parcelar ou total dos dois, pouco se sabe a seu respeito, salvo a circunstância de ambos ocuparem um lugar cimeiro no panorama literário dos povos que os consideram como seus. Os gregos para o alegado aedo dos Aqueus na Ilíada e na Odisseia, e os portugueses para o legítimo arauto dos barões assinalados cantados n'Os Lusíadas. Só que, na dupla epopeia helénica, os heróis lendários são tidos como históricos, e, no poema épico lusitano, os heróis históricos se converteram em lendas vivas na memória das gentes. Até hoje.

No ano em que mal se lembrou o quinto centenário do nascimento daquele a quem chamaram Trinca-Fortes, autor confessado dos erros meus, má fortuna e amor ardente, quiçá se evoque na alegada data da morte a efeméride, mais por dever que por prazer. É que ao vir ao mundo ainda está tudo por dizer e ao ir desta para melhor já não há nada a aditar. Uma desculpa de mau pagador, em nada impeditiva de continuarmos a ler nas linhas e entrelinhas a mensagem de quem veio não se sabe donde, que andou dum lado para o outro como a fortuna, caso, tempo e sorte lhe permitiram, que foi lançado numa cova comum quando assim adveio e que hoje dizem jazer no túmulo neomanuelino nos Jerónimos e deter um cenotáfio em Santa Engrácia. Os amores, naufrágios, aventuras, desterros e prisões dispersos no rincão pátrio, pelos Algarves d'aquém e além-mar em África, pelas Etiópias, Pérsias e Índias, não têm parado de animar os rastreadores encartados ou por encartar de tentar apurar os mistérios camonianos agentes de mil e uma fantasia lançados aos quatro ventosDessarte, o aporte de Isabel Rio Novo torna-se crucial para desfazer muitos desses mitos e obter uma dimensão mais precisa do século de ouro da nossa cultura cada vez mais afastada do nosso horizonte de eventos. O repto fica feito.

4 de junho de 2025

Olhar & Observar

                        IL SOFFITO DELLA CAPELLA SISTINA IN VATICANO                        
Quando sei a Roma, fai come i romani...

Quando passei de corrida por Roma, não entrei no Coliseu, não vi o Papa, e não visitei a Capela Sistina. Desisti de integrar a fila compacta que me separava cerca de 1,5km dos museus vaticanos e não sei quantas horas para concretizar o ingresso. Depois, não senti um apelo urgente para ver o Sumo Pontífice numa janelinha minúscula da Praça de São Pedro ou para entrar no Anfiteatro Flaviano dos combates de gladiadores, escravos e criminosos mil.  

A falta de tempo para visitar a totalidade dos monumentos papais e imperiais levou-me a selecionar apenas alguns e a virar-me em contrapartida para os exteriores. Deambulei pelos recintos abertos ao público do Vaticano, o mais pequeno estado do mundo; entrei na Basílica de São Pedro e admirei tudo aquilo que havia para ver; Percorri as ruas e ruelas da cidade das sete colinas ou talvez mais. Fui romano entre os romanos. Ecco in poche parole la situazione!

Para olhar e observar devidamente as histórias pintadas por Miguel Ângelo na abóbada e altar da Capela Sistina duas maneiras possíveis. Uma resulta desde logo inviável de realizar, por pressupor esvaziar o recinto das multidões de turistas que o visitam dia a dia e ter os meios necessários para vencer a distância que separa o nosso olhar dos frescos a observar. A outra, mais pragmática, sugere-nos recorrer à ajuda duma boa edição impressa da obra. Foi o que eu fiz.

Com uma edição da Taschen entre mãos, afiro a vantagem de olhar e observar as inúmeras cenas bíblicas, separadas do imenso painel central, lunetas laterais e cantos de esquina ali reunidas a não sei quantos metros do chão ou do monumental Juízo Final colocado ali à frente do nosso raio de visão. Destacar qualquer uma delas seria uma missão votada ao fracasso, máxime porque todas as demais sairiam injustiçadas e, lá diz o ditado, la vita è breve e l'arte è lunga.

29 de maio de 2025

Original & Imitação

Um peixinho dourado com barbatana dorsal de tubarão

Não queiras sapateiro tocar rabecão…

Qualidade & Quantidade

Quando os complexos de inferioridade se transformam em complexos de superioridade, a mania das grandezas manifesta-se em toda a sua extensão. Desmesuradamente. A originalidade evapora-se e a imitação explode. Os exemplos não faltam. Pequenos e grandes, antigos e recentes, imprevisíveis e expectáveis. Deixemos os de menor calibre de fora e convoquemos alguns dos mais visíveis. Nascidos numa etapa civilizacional longínqua, desenvolvidos num fluxo civilizacional contínuo e prenúncio duma evolução civilizacional vigente, perdida num horizonte de eventos ignotos, mas cada vez mais próximos do nosso ângulo de visão.

Começando com os Sumérios, não se sabe ao certo de onde vieram nem para onde foram. Provavelmente, quando inventaram a escrita, já teriam esquecido a sua proveniência e acabaram por se diluir no seio dos Acádios semitas. Nem uns nem outros se encarregaram de registar em nenhuma placa cuneiforme estes dados que em nada lhes interessaria documentar. As lendas do rei sumério de Uruk uniram-se na epopeia acádia de Gilgamesh. Estes aproveitaram-se da matéria-prima original, ampliaram-na a seu belo prazer e criaram um género novo que muitos outros depois imitaram, com Homero, Virgílio e Camões à cabeça de todos eles.

Na Idade dos Heróis épicos, Troia foi tomada, saqueada e incendiada pelos Aqueus, após um cerco de dez anos. Eneias consegue fugir e protagonizar um sem número de aventuras por terra e por mar até chegar à anelada península italiana. Aí, estará na origem da fundação lendária de Roma, cidade imperial que posteriormente conquistará toda o Mare Nostrum mediterrânico, incluindo os antigos territórios gregos. Com esta anexação punitiva, a nova senhora incontestável do mundo conhecido tenta demonstrar a alegada superioridade bélica latina sobre a invejada superioridade cultural helénica. Exageros à parte, cá se fazem cá se pagam.

Os eixos do poder mudaram-se para o novo mundo, levando consigo a secular matriz do velho continente. Para a ereção da capital, os seus arquitetos associaram as colunas e pilastras gregas aos arcos e cúpulas romanas. A acumulação desregrada de originais alheios imitados à exaustão encontra o expoente máximo no Capitólio, um misto de templos helénicos e de basílica latina ou dum bolo de noiva com vários andares. A sujeição da qualidade à quantidade, feita à medida do atual inquilino da Casa Branca, a alimentara-lhe o ego e a transformá-lo num lídimo César global, a vencer aos pontos a loucura de Nero, Calígula ou Caracala.

WASHINGTON, THE CAPITOL. (US-D.C.(1891) 

23 de maio de 2025

Quatro onças de ouro anuais pelo reconhecimento papal dum reino

Assinatura de Afonso Henriques na Carta de Couto mosteiro de Tibães 

«Por isso, eu, Afonso, pela graça de Deus Rei de Portugal, prestei homenagem ao Papa, meu Senhor e Pai, nas mãos do Cardeal diácono D. Guido, Legado da Sé Apostólica. Constituo, pois, a minha terra  como censual de S. Pedro e da Santa Igreja de Roma, com o tributo anual de quatro onças de oiro, e disponho de todos quantos, depois da minha morte, obtiverem desta terra, paguem anualmente o mesmo censo a S. Pedro.»
Carta Claves Regni, de D. Afonso Henriques a Inocêncio II (13.12.1143)
«Em seguida, na verdade, tanto por cartas tuas, como intermédio de nosso venerável irmão João, Arcebispo de Braga, prometeste-nos também que tanto tu como os teus herdeiros haveis de pagar anualmente da mesma terra quatro onças de ouro ao Pontífice Romano.»
Carta Devotiam tuam, de Lúcio II a D. Afonso Henriques (1.05.1144)
Para significar que o referido reino pertence a S. Pedro, determinaste como testemunho de maior reverência pagar anualmente dois marcos de oiro a Nós e aos nossos sucessores. Cuidarás, por isso, de entregar, tu e os teus sucessores, ao Arcebispo de Braga pró tempore, o censo que a Nós e a nossos sucessores pertence.
Bula Manifestis probatum, deAlexandre III a D. Afonso Henriques (23.05.1179)

O rei morreu, viva o rei. Assim se dizia nas antigas monarquias e talvez se continue a dizer nas atuais. O mesmo se não pode dizer daquela que rege o mundo católico desde Roma. Entre a morte dum papa e a sua sucessão, há que realizar o obrigatório conclave cardinalício, sepultar solenemente o finado num local condigno do seu estatuto secular/espiritual, esperar a saída do fumo branco da chaminé da Capela Sistina, ouvir o anúncio oficial do nome eleito e proceder ao entronamento do novo soberano com toda a pompa e circunstância exigida pelo protocolo tradicional do Vaticano.

O apelo ditado pela feira de vaidades exige, sem lugar a escusas, que os mais altos dignitários da aldeia global marquem presença nas cerimónias mediatizadas à escala planetária. Reis e rainhas, presidentes e cônjuges, príncipes e princesas juntaram-se na Praça de São Pedro e seguiram ao vivo e a cores a história a acontecer minuto a minuto. Os mais altos dignitários portugueses não faltaram à chamada. Deixaram o dia da Liberdade e o das Eleições para trás e lá se perfilaram ordenadamente nas filas hierárquicas definidas pelo protocolo para serem vistos urbi et orbi.

O Presidente da República dum estado laico e respeitador de todos credos, como o nosso, justificou a presença com os seculares laços de amizade atestado pela Santa Sé para com a terra portucalense, reconhecida em 1179 como Reino soberano. Conversa fiada, dado que os documentos então lavrados nos dizem que a independência nacional passou a custar ao erário público a quantia anual de quatro onças de ouro, o que, ao câmbio moderno, daria algo como 12.000 €. Uma bagatela, mas, mesmo assim, bastante longe desse tal altruísmo esperado da Igreja de Cristo. 

17 de maio de 2025

Habladuras quevedescas

Francisco de Quevedo. Medallón en la Plaza de España de Sevilla

Nadie ofrece tanto como el que no va a cumplir...

Procurei a origem da frase/sentença de Don Francisco de Quevedo y Villegas, mas não a encontrei na Poesia Completa, no Buscón ou nos Sueños. Terá sido registada num outro escrito menos conhecido ou formulado por outras palavras. É bem provável que assim seja ou que a minha pesquisa não tenha sido suficientemente eficaz para a achar.

Tendo em atenção o espírito satírico particularmente apurado d' El Juvenal Español, não ponho grandes reservas à sua autenticidade. Depois, como os ensinamentos que os dias de hoje nos vão dando, considero a pertinência do dito/anexim perfeitamente atual. Pena que assim seja, mas, como sói dizer-se em bom português, contra factos não há argumentos.
 

15 de maio de 2025

Mitos, Lendas & Contos de Fadas

«Foi a mulher que trouxeste para junto de mim que me ofereceu da árvore e eu comi...»
Génesis 3, 12

A arte de contar histórias terá surgido no preciso momento em que o homem adquiriu a capacidade de traduzir por palavras as imitações de realidades vividas ou imaginadasEsta habilidade de criar mundos paralelos numa fase remota, difícil de precisar, ocorreu na chamada etapa infantil ou animista da humanidade. Terá sido também neste comenos que os deuses e fadas entraram em cena nos mitos, lendas e contos que viriam depois a alimentar as literaturas orais e escritas de todos os povos dispersos pelos quatro cantos da terra.

A arte rupestre gravada e pintada em rochas, cavernas e abrigos pré-históricos, os carateres cuneiformes mesopotâmicos cunhados em placas de argila, os pictogramas hieroglíficos traçados nos papiros egípcios faraónicos, os manuscritos greco-romanos registados em rolos antigos e pergaminhos medievais, mais não são do que o germe dos cantos épicos, dramáticos e diegéticos clássicos, das narrativas sapienciais divinas, das fábulas e histórias da carochinha, impressos ou transmitidos de boca em boca e de geração em geração.

O Pomo de Ouro do Jardim das Hespérides, lançado pela Discórdia à mais bela das três deusas do Olimpo, provocou a rivalidade de todas e a Guerra de Troia. O Fruto Proibido da Árvore da Sabedoria, dado pela Serpente a Adão e Eva, levou à sua expulsão imediata do Paraíso Terrestre. A Maçã Envenenada, oferecida pela Rainha à Branca de Neve, causou-lhe um sono profundo e instantâneo, quebrado pela magia do beijo apaixonado do Príncipe Perfeito, num happy end sempre presente e esperado nos contos de fadas.

Mitos e lendas, epopeias e tragédias, histórias e romances, fábulas e apólogos, contos e parábolas, compostos em verso ou em prosa, são tudo produto duma mesma safra imagética, independentemente da natureza do pomar ou de se tratar dum pomo de ouro, dum fruto proibido ou duma maçã envenenada. A grande diferença é que a Literatura Infantil é a mais abrangente de todas as séries gizadas pela criatividade humana ao longo dos tempos, porque, ao contrário da literatura para adultos, se aplica a todos sem limite de idade.

9 de maio de 2025

O centro e a periferia no dia da Europa

Percursos europeus pela arte da Via Redit

Uma península de penínsulas...

A Europa  conheceu melhores dias para festejar este dia que dizem ser o seu. Também teve piores e conseguiu sempre superá-los e sair por cima como sói dizer-se. foi centro e agora é periferia. Pouco importa, se nos lembrarmos que a terra é redonda e que em todos os quadrantes se está tanto no centro como na periferia.

A profundidade do mundo representado a duas dimensões é-nos dada pela arte pintada num continente que é uma península de penínsulas. Em cada istmo há um ponto de ligação com a faixa de terra menor com a maior a que está ligada. As leis da perspetiva são exímias em marcar as reais dimensões em presença.

Vi na Net um mapa da Europa com a obra de arte mais notável de cada país. As penínsulas limítrofes apontam-nos o centro de todos eles. O Grito de Munch, a Vénus de Milo de Alexandre de Antioquia, O tratador de tartarugas de Hamdi Bey e o Fado de Malhoa. Viva esta unidade na diversidade que no dia de hoje se celebra.

5 de maio de 2025

Del conclave del collegio cardinalizio e dalla fumata bianca all'habemus papam

L'Habemus Papam per l'elezione di Martino V, 1415
[Chronik des Ulrich Richental]
«... Pietro Spano, lo qual giù luce in dodici libelli...»
[Quarta Parte - Cielo del Sole: anime dei saggi, (XII, 45, 2-3)]

Rezam os anais vaticanos ter um dos diletos servos portugueses em Cristo ocupado o trono de São Pedro de 1276 e 1277, num total de 242 dias. Digamos que em 2000 anos de devir histórico se tratar dum número assaz parco. O 187.º Papa recebeu na pia batismal o nome de Pedro Julião, no mundo académico o de Pedro Hispano e no pontifício o de João XXI. Visitei o seu túmulo na catedral de São Lourenço em Viterbo, cidade que o elegera em conclave e o vira finar vítima dum desmoronamento no palácio apostólico onde então residia.

Vistas bem as coisas, se a um cidadão português nascido em Lisboa é dado o apelido de Hispano, o mesmo nos é lícito dizer dum Lusitano nascido em 305 na antiga Egitânia e atual Idanha-a-Velha. É verdade que, à época, a Civitas Igæditanorum ainda integrava a Província da Lusitânia do Império Romano, facto de modo algum impeditivo de considerarmos São Dâmaso como o mais antigo papa português, por ter vindo ao mundo num território nacional, aquele que exerceu as funções de 37.º Sumo Pontífice Católico de 364 a 384.

Um critério similar não podemos aplicar a Maurício Bourdin, eleito papa em 1118 pelos cardeais gibelinos afetos ao Sacro-Imperador Romano-Germânico Henrique V, com o nome de Gregório VIII, depois de ter exercido as funções de Bispo de Coimbra e Arcebispo de Braga, e sido o reorganizador do Condado Portucalense no tempo de Henrique de Borgonha. É que além de ser originário do Limousin, no Ducado da Aquitânia, acabou por ser destituído das suas funções pontifícias em 1121, sendo relegado para a categoria de antipapa.

Os 133 cardeais eleitores preparam-se para nomear em conclave o 269.º Papa da Igreja Católica, entre os quais se contam 4 portugueses aptos a ocupar a Sede Vacante. A chaminé mensageira do escrutínio já está colocada no telhado da Capela Sistina e os mirones habitais começam a colocar-se em lugares estratégicos para testemunhar a passagem da fumata nera para a bianca, conducente à proclamação solene do ritual habemus papam na varanda central da Basílica de São Pedro. A ver vamos, para que depois the show must go on.

EPÍGRAFE
«... Pedro Hispano, cujo espírito, na Terra, brilha nos seus doze livros...»
Dante Alighieri, Divina Comédia - Paraíso, 1321
[Quarta Parte - Céu do Sol: alma dos sábios. (XII, 45, 2-3)]

São Dâmaso I - Gregório VIII - João XXI | August Franzen, Breve História da Igreja