3 de janeiro de 2025

Proveito & Deleite

TEATRO LETHES ‒ FARO
(Antigo Colégio de Santiago Maior)
Omne tulit punctum qui miscuit utile dulci, | lectorem delectando pariterque monendo...
[Recebe sempre os votos, o que soube misturar o útil ao agradável, pois deleita e ao mesmo tempo ensina o leitor]
Horati, De Arte Poetica Liber (343-344) || Horácio, Arte Poética (343-344) 

COLÉGIO ‒ TEATRO ‒ ACADEMIA

« Monet Oblectando »

Bem ao fundo da rua que leva o seu nome, ergue-se o Teatro Lethes, um edifício majestoso, feito ao gosto maneirista chão, que todos os locais reconhecem sem problemas, muito embora a sua identificação não esteja inscrita na fachada central ou em qualquer outro local imediatamente visível por quem ali passa. Em contrapartida, poderá ler na cartela do frontão duas palavras enigmáticas para muitos, numa língua apontada à boa como sendo o latim: Monet Oblectando. A curiosidade de alguns levá-los-á a consultar um dicionário, que as traduzirá, tout court, por «instruir divertindo». Um conhecimento histórico mais pormenorizado do imóvel inspirar-nos-á a adaptar a sentença para: «ensina divertindo-te» ou «diverte-te aprendendo».

Fundado em 1605 pelo então Bispo do Algarve, D. Fernando Martins Mascarenhas, como Colégio de Santiago Maior, a nova instituição tinha como principal função a educação. A instrução ministrada pela Companhia de Jesus estaria obrigatoriamente presente, o que, à data, não garantiria uma diversão por aí além, pelo menos à luz dos parâmetros atualmente vigentes. Como diria Camões, «mudam-se os tempos mudam-se as vontades». Cumpriu a sua missão formativa em Faro até 1759, ano em que os bens da ordem religiosa criada por Santo Inácio de Loyola foi banida do país e domínios ultramarinos e o estabelecimento de ensino não superior foi obrigado a fechar portas para nunca mais as voltar a abrir nos mesmos termos.

O antigo Colégio dos Jesuítas entra numa segunda fase da sua vida, quando o médico italiano Lázaro Doglioni o compra em hasta pública e converte numa teatro digno da capital do Reino dos Algarves. A inauguração dá-se no dia do aniversário da rainha D. Maria II, 4 de abril de 1845, batizando-o de Teatro Lethes, em memória do mítico rio do esquecimento sito no Hades helénico, cujas águas prodigiosas tinham o poder de obnubilar as agruras da vida. Neste caso, as vicissitudes infligidas pelas Invasões Francesas e Lutas Liberais, que haviam deixado o país em ruínas. A  inscrição latina significaria então que quem cruzasse as suas portas gozaria o duplo tópico horaciano do «Proveito & Deleite», i.e., da diversão e aprendizagem conjuntas.

Atualmente o teatro partilha as suas instalações de antigo colégio com outras instituições de interesse local, como será o caso da Academia Sénior Monet Oblectando. dias recebi o convite de me associar às suas atividades letivas na área que mais me agradasse. Aceitei com prazer a dinamização dum seminário inserido na esfera da Cultura Literária, aquela que ocupou grande parte da minha carreira docente. Iniciarei o meu regresso especial às lides académicas neste início de ano novo logo após os Reis. A ver vamos se o tal proveito e deleite do ensino e da diversão se volta a repetir, sete anos depois ter dado a minha última aula de bifurcações do tudo e do nada em final de linha. Vontade não falta se para tal houver engenho e arte.