Vista de Lisboa - iluminura séc. XVI Crónica de Dom Afonso Henriques de Duarte Galvão. [Museu-Biblioteca Conde Castro Guimarães, Cascais] |
De Expurgatione Lyxbonensi. 1147
Sub temporibus regum christianorum priùsquam mauri eam optinuissent, trium martyrum memoria juxta urbem in loco qui dicitur Compolet celebratur, scilicet Verissima et Maximi et Juliae virginis, quorum ecclesia a mauris solotenus destructa, tres tantum adhuc lapides in signum ruinae suae ostendit, qui nunquam ab indè potuere sustolli. De quibus alii dicunt eos fore altaria, alii bustalia. Haec de civitate ad praesens sufficiant.«Crucesignati anglici Epistola de Expugnatione Olisiponis»(Vol. I, f. iii, p. 396A, 1856)
Os ciclos elípticos de nascimento-vida-morte/mudança das palavras contam-nos histórias que só se deixam entender plenamente se recorrermos à ajuda metalinguística de outras palavras, também elas sujeitas a este processo de metamorfose de sons e sentidos. A ação continuada de transformação-diversificação das línguas faz-se sem pedir licença a ninguém, de modo impercetível e constante. Assim se passou inexoravelmente do hipotético indo-europeu, para o latim e deste para o português, com muitas outras ramificações linguísticas paralelas e de permeio.
O substantivo comum LAPA terá derivado do pré-celtico lappa, com o sentido de «lápide» ou «estela», derivando depois também, ao que parece, para «molusco» e «coelho». Na forma primitiva, referir-se-ia a uma grande laje que formasse uma cavidade ou furna. Esta a aceção dada na Carta do Cruzado Inglês R. dirigida a Osb., quando menciona os altares ou lajes encontrados no local do martírio dos três santos cristãos perpetrado aquando da conquista de Lisboa aos Mouros em 1147. Ali surgiria em sua honra o bairro da Lapa, situado entre o da Estrela e o de Santos.
O aspeto rugoso da patella vulgata e a forma cónica da concha que a protege levaram a imaginação popular a designá-la de LAPA. Por outras palavras, uma pequena gruta ou cavidade aberta na rocha, lugar de abrigo seguro do pequeno molusco gastrópode univalve. Metamorfose completa dum simples vocábulo dissilábico. A forma a inspirar claramente o conteúdo. Os franceses preferiram chamar-lhe chapeau chinois. As semelhanças são evidentes. Os espanhóis ficaram-se pela variante simplificada chinesco, mas a ideia exótica convocada é mais ou menos a mesma.
Mas a LAPA também se agarra como grude ao rochedo que lhe serve de habitat. Só uma faca bem afiada a arranca dali. Tarefa chata p'ra caraças, uma seca, chata como a potassa, uma sarna, chata de galochas, uma carraça. Dum momento para o outro, o marisco das águas meridionais europeias passou a designar todas as pessoas maçadores, importunas, insuportáveis, impertinentes e molestas. Verdadeiras «lapas». Um desdobramento completo dum campo semântico num campo lexical, com que a história das palavras ditas e por dizer se vai fazendo e refazendo.
Mas a LAPA também se agarra como grude ao rochedo que lhe serve de habitat. Só uma faca bem afiada a arranca dali. Tarefa chata p'ra caraças, uma seca, chata como a potassa, uma sarna, chata de galochas, uma carraça. Dum momento para o outro, o marisco das águas meridionais europeias passou a designar todas as pessoas maçadores, importunas, insuportáveis, impertinentes e molestas. Verdadeiras «lapas». Um desdobramento completo dum campo semântico num campo lexical, com que a história das palavras ditas e por dizer se vai fazendo e refazendo.
Muito interessante, Prof.! Nem na minha visita ao bairro da Lapa, guiada pelos técnicos da Cultura da CML, tive conhecimento deste facto. A referência aos mártires na conquista de Lisboa só me foi apresentada na vsita à Basílica dos Mártires...
ResponderEliminarMagnífico e esclarecedor texto!
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