"Every time an artist portrays a human subject, a decision has to be made about the posture of the figure. Will they be standing, sitting or reclining? Smiling, screaming or weeping? Will they be clasping their hands, crossing their arms or raising their fist?"Desmond Morris, Postures: Body Language in Art (2019)
Saudações, Bênçãos, Estatuto, Insultos, Ameaças, Sofrimento, Autoproteção, Erótico e Descanso são as nove entradas principais selecionadas por Desmond Morris para preencher as 320 páginas da edição portuguesa das Poses: linguagem corporal na arte (2020), dada à estampa pela Bizâncio. O ensaio, que reúne as duas áreas de interesse do autor, a Ciência e a Arte, reparte-se por 60 subtemas complementares, profusamente ilustrados em 231 obras, que vão da mais remota criação pré-histórica, a rotundidade da Vénus de Hohle Fels [fig. 182], uma estatueta esculpida em marfim de mamute entre 40 000-35 000 AEC, a uma das mais recentes expressões plásticas dos nossos dias, a alegada obscenidade gestual documentada com os dedos dos Miúdos grosseiros [fig. 91], um spray grafitado sobre uma parede de Londres em 2016 por Dotmaster.
A longa digressão pela multimilenária linguagem imagética humana começa com a saudação romana do Avé César, os que vão morrer te saúdam! [fig. 1], de Jean-Léon Gérôme, e termina com o bocejo provocado pelo Sono [fig. 231], de Salvador Dalí, dois óleos sobre tela pintados em 1859 por um académico francês e em 1937 por um surrealista espanhol. De permeio, fica um conjunto das melhores manifestações estéticas exemplificativas da temática expressa no título do livro efetuadas em diversas eras, idades, épocas e períodos culturais, numa multiplicidade de estilos, correntes e escolas, dadas à luz nos mais recônditos tempos históricos e lugares geográficos, com recurso às várias técnicas e suportes postos ao dispor do engenho artístico. Óleos, têmporas, iluminuras, miniaturas, ícones, aguarelas, pastéis, frescos, cartazes, carvões, guaches, acrílicos e mosaicos pintados, desenhados, gravados, impressos em tela, madeira, painel, paredes, papel, cartão, pergaminho, cerâmica ou ladrilho; gessos, bronzes, mármores, barros, xistos e mosaicos esculpidos em altos e baixos-relevos, em estátuas e estatuetas, em bustos e colunas. Um universo de cores, texturas e formas reveladas a duas e três dimensões, para deleite de todos os seus admiradores.
As poses descritas na reflexão analítica são férteis em histórias curiosas a roçar o anedótico e associadas à linguagem corporal das obras de arte mais polémicas chamadas à colação, sobretudo as referentes à componente sexual e às reações que despertaram aquando da sua divulgação pública, algumas das quais se mantêm muito fortes ainda nos dias que correm. Referirei apenas três delas, na qualidade de mero exemplo dos tabus gerados em torno da nudez humana. Recordo aqui o apedrejamento infligido ao David de Miguel Ângelo, quando em 1504 a estátua estava a ser instalada na cidade de Florença, ou o escândalo provocado em 1857, quando a rainha Vitória exigiu que as partes pudendas da réplica da estátua exposta em Londres fossem cobertas com uma folha de figueira. Uma sorte mais suave teve La Maja desnuda [fig. 177], pintada a óleo por Francisco de Goya entre 1795-1800, que depois de ter sido encerrada vários anos numa câmara privada por Manuel de Godoy, favorito de Carlos Ⅳ de Espanha, por ser considerado indecente e prejudicial ao bem público, o autor acabou por ser ilibado pelo tribunal da Inquisição, dado ter alegado estar a seguir a tradição de nus oficialmente aceite. O caso mais recente data de 2014, quando Deborah de Robertis, se despiu frente à polémica A origem do mundo, pintada em 1866 por Gustav Courbert, e expôs a parte anatómica permitida no mundo das artes, mas proibida no mundo real, o que lhe valeu uma detenção imediata e uma multa simbólica de 2000€. Hipocrisia, puritanismo, beatice, pudor, absurdo, cada um escolha o termo que mais lhe agradar.
Profundo conhecedor da arte mundial de todos os tempos e quadrantes, o autor d'O macaco nu (1967) parece conhecer mal as habilidades do espécime lusitano nesta área da expressão estética. A sua visão interpretativa reduz-se a uma descrição sem imagem e a uma imagem sem descrição. A primeira refere-se ao duplo insulto do manguito associado ao dedo médio esticado, que não consegui encontrar na Net, mas fácil de imaginar no popular Toma do Zé Povinho do Rafael Bordalo Pinheiro. Os braços cruzados da figura feminina, retratada em posição de autodefesa no painel central do tríptico Vanitas [fig. 166], concebido por Paula Rego em 2006. E é tudo. Bem podia ter falado um pouco dos Painéis atribuídos a Nuno Gonçalves, motivos não lhe faltariam. Mas isso já seria pedir demais, ou talvez não, dada a complexidade apresentada pela obra maior da pintura portuguesa quatrocentista. As chaves do mistério continuam por desvendar e o contributo do zoólogo, etólogo, sociólogo e pintor surrealista inglês seriam muito bem-vindos.
Paula Rego, Vanitas (2006) [Centro de Arte Moderna Gulbenkian - Lisboa] |
Grande mergulho no vasto universo da arte, Prof! O que Desmond Morris teria ainda de investigar para analisar a expressão artística no mundo...
ResponderEliminarUma tarefa em vários volumes com a ilustração de muitos mais gestos e poses, que os 93 anos de Desmond Morris talvez lhe tornem a tarefa um pouco apertada de cumprir, mas nunca se sabe...
EliminarQue livro e que texto!
ResponderEliminarMuito elucidativo e interessante.