Le nouveau-né Georges de La Tour |
Assim que abrir os olhos do sono profundo que o imergiu num repouso sereno, o olhar do recém-nascido olhado com os olhos de Georges de La Tour olharão atentos para quem o olha. Dizem tratar-se duma cena bíblica do Menino Jesus ao colo da Virgem Maria e na presença tutelar de Sant'Ana. Até pode ser. O ambiente profundamente ligado aos mistérios da natalidade cristã ainda persistia na cultura barroca da época, muito dependente das estéticas artísticas do claro-escuro caravagiano. Se se tratar da captação dum mero instante familiar duma avó, duma mãe e dum neto-filho, a dialética dos olhares não perde a menor força atrativa sobre quem lhe dirige os olhares do lado de fora da imagem captada a duas dimensões.
O famoso Minueto de Boccherini instalado num reveil matin rococó em versão boîte de musique empurrou-me em agosto de 1977, faz hoje 44 anos certos, para o Musée des beaux arts de Rennes, onde olhei os olhares do Neveau-né, olhados pelo retratista loreno e agora a serem olhados na capital bretã. A melodia programada para nos acordar às sete da manhã daquela terça-feira de verão só logrou despertar-nos 1/2 hora mais tarde. Resultado: mesmo prescindindo do petit-déj, perdemos por escassos três minutos o comboio que nos levaria a La Baule na Côte d'Amour. Aproveitámos a espera forçada da nova ligação ferroviária para visitar a residência atual duma das mais populares obras da pintura seiscentista francesa.
No meio duma sala dedicada às œuvres phares do museu do cais Émile Zola, o óleo sobre tela de 76,7 x 92,5 cm olhava-nos ávido do nosso olhar de visitantes inesperadas naquela manhã de férias estivais. Olhar iluminado por uma vela invisível a dar visibilidade ao espaço cénico noturno, de onde emergem dum fundo negro neutro as silhuetas curvilíneas das três figuras que dão vida ao quadro em tons de vermelho, castanho e branco. Detivemo-nos pouco tempo a olhá-las. A hora de partir para a costa atlântica do Pays de la Loire aproximava-se a grandes passos. Olhámo-nos uma derradeira vez e o olhar ficou-me gravado na memória até hoje. Olhares cruzados que um dia destes teremos de renovar. Il le faut absolument...
Belíssimo quadro, que tanto nos fala à sensibilidade... Há momentos em que é uma sorte perder um comboio!
ResponderEliminarMemória longínqua que se fez recente pela magia das palavras. Muitíssimo bom.
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