"This book is founded on my experiences in the Intelligence Department during the war, but rearranged for the purposes of fiction. Fact is a poor story-teller. It starts a story at haphazard, generally long before the beginning, rambles on in-consequently and tails off, leaving loose ends hanging about, without a conclu-sion. It works up to an interesting situation, and then leaves it in the air to follow an issue that has nothing to do with the point; it has no sense of climax and whittles away its dramatic effects in irrelevance. There is a school of novelists that looks upon this as the proper model for fiction. If life, they say, is arbitrary and disconnected, why, fiction should be so too; for fiction should imitate life."
O The Guardian estima ter Somerset Maugham reunido no Ashenden ‒ O agente britânico (1928) todos os ingredientes que o converteriam num dos «melhores livros de todos os tempos». Esta ideia é reforçada tanto pelo The New York Times, ao afirmar ser «o livro de espionagem mais convincente de todos»; como pelo Daily Telegraph, ao agregar ter originado um «novo género literário: o romance de espionagem sofisticado»; ou pelo The Times, ao vê-lo como o «primeiro romance de espionagem escrito por alguém que foi, de facto, espião». Frases de circunstância registadas pela Asa na capa, sobrecapa e numa das badanas da obra por si reeditada, como forma habitual nestas circunstâncias de a promover junto dos leitores. Epitextos críticos completados pelo próprio contador de histórias ali compiladas, ao confessar no «Prefácio» por si composto estarem todas elas inseridas na categoria das recriações ficcionais, um procedimento literário exigido pela arte da escrita, por se referirem a experiências pessoais protagonizadas no decorrer da Primeira Guerra Mundial, quando colaborou com os serviços secretos do Departamento de Informações sediado em Londres.
Colidi por acaso com este título desconhecido e algo surpreendente dum dos autores de eleição da minha adolescência. O encontro foi-me oferecido por uma entrada casual numa livraria à procura duma novidade editorial que animasse no início de férias de verão. Afinal, acabei por me cruzar com um conjunto de episódios publicados há quase cem anos, vividos por um reputado escritor de profissão e insuspeito escritor-agente Ashenden, i.e., o alter ego de conveniência de Somerset Maugham ou alegado percursor do icónico James Bond. Como sou um leigo na matéria, vejo-me incapaz de me pronunciar sobre esta apreciação genérica. Ignorei os encómios tecidos pela imprensa diária anglo-americana e trouxe o exemplar da mais alta espionagem internacional para casa, por ter sentido um impulso muito forte de voltar à companhia do criador da Servidão humana, do Fio da navalha ou do Exame de consciência que tanto me tocaram nos tempos já distantes duma juventude perdida.
Aberto o último ficheiro classificado de top secret durante a grande guerra civil europeia travada à escala global, fica-se com a sensação de se ter penetrado durante a leitura nos bastidores dos mais altos serviços de inteligência de sua majestade britânica, chefiados pelo misterioso coronel R., a alternar com os não menos obscuros major von P., capitão X., rei B. ou professor Z. O ambiente do SIS-MI6 marca presença nos dezasseis capítulos ficcionados de intrigas bélicas e maquinações maquiavélicas trazidas a público pelo poder instituído. A espionagem é rainha. Exerce o seu poder sigiloso em palcos discretos afastados q.b. dos cenários de batalha e do efeito das bombas. As sequências narrativas invitadas para ambientar o relato revestem-se duma ironia maldisfarçada de caricaturar o género aludido, tratando-o mais como um pastiche assumido do mesmo, do que como um grupo coeso de genuínas missões levadas a sério pelos atores incumbidos de os representarem. Tudo funciona como um rosário disperso de eventos soltos, ligados entre si pela presença mais ou menos ativa do protagonista que empresta o nome à obra, herói-anti-herói das peripécias trazidas à boca de cena.
Lidos as histórias que compõem o livro, fica-se com a sensação de estarmos na presença de mais uma comédia ligeira desenhada por um humorista travestido de espião. Esquecemo-nos das pontas soltas detetadas aqui e além ao sabor da pena, dos segredos não revelados ou deixados suspensos no ar, do tom a roçar um cinismo subtil ou um sarcasmo afiado e lamentamos que o texto tenha chegado a um fim impossível de evitar. Acontece. No cômputo geral feito à margem da viagem pelo seu interior, vemo-la tanto como uma diversão para o autor no ato da escrita como para o leitor ao imaginá-la no termo de cada fragmento de vida exposta nas páginas dum romance de eventos semiacontecidos/semifantasiados. O tal prazer da leitura que só os grandes vultos das letras nos conseguem oferecer.