COLISEU DOS RECREIOSI Encontro da Canção Portuguesa (Lisboa, 29 de março de 1974) José Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Manuel Freire, Fausto, José Afonso e Adriano Correia de Oliveira |
Foi há 50 anos e eu estava lá. Estou a referir-me ao I Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da Imprensa no Coliseu dos Recreios de Lisboa a 29 de março de 1974, a fim de entregar os Prémios da Imprensa referentes a 1973. Retive algumas memórias muito vivas que as gravações vindas dessa noite de sexta-feira me ajudaram a avivar. Nem é para menos. O malogrado Levantamento das Caldas da Rainha ocorrera apenas 13 dias antes e o vitorioso Movimento das Forças Armadas adviria 27 dias depois.
Recordo-me de ter ido devidamente equipado com o meu capote alentejano. Servia-me de indumentária obrigatória de inverno e era ótimo para me proteger do pontapé-nas-costas das exíguas bancadas de madeira da maior sala de espetáculos da capital, quiçá do país. À frente desses ecos musicais com meio século de vida, realço o coro constituído pelas cinco mil vozes que então entoaram a plenos pulmões e braço dado a Grândola vila morena, iniciado no recinto circense e continuado nas Portas de Santo Antão.
Ah! Lembro-me, outrossim, das meias-palavras ditas para justificar as palavras plenas omitidas nas cantigas interditadas por inteiro ou por partes rasuradas. É que o anfiteatro estava pejado de censores arregimentados ao poder totalitário instituído pelos esbirros da outra senhora e a sua violação seria logo freada à boa maneira em uso na época. Mais difícil seria calar o público sedento de as ouvir cantar e que passo a passo as iam repetindo em uníssono.
A menos de um ano de ter atingido a maioridade, então fixada nos 21, presenciei de corpo presente aos derradeiros estertores do regime derrubado pelos Capitães de Abril. Momento também adequado para vibrar com as cantigas, canções, cantos e contracantos do nosso amargo cancioneiro. Aplaudir o canto das baladas cantadas pelos trovadores permitidos em palco e lembrar à distância a presença de tantos outros há muito condenados a um exílio forçado.
CORO EM PALCO Grândola, Vila Morena | Terra da fraternidade ||O povo é quem mais ordena | Dentro de ti, ó cidade... José Afonso, Grândola, Vila Morena (1971) |