«Tanto deseaban mujer y diversión nocturna estos ingratos, que al fin el cielo ("el diablo, el maldito cachudo", dice el padre García) acabó por darles gusto. Y así fue que apareció, bulliciosa y frívola, nocturna, la Casa Verde.»Mario Vargas Llosa, La casa verde (1966)
Depois de ter lido e relido de modo continuado e paciente os longos períodos e parágrafos preambulares, de ter escrutinado por tentativa e defeito as possíveis técnicas romanescas exploradas pelo ainda jovem ficcionista peruano, a luz começou a surgir ao fundo do túnel e as principais coordenadas compositivas começaram a emergir uma a uma da penumbra em que as havia encontrado mergulhadas nos trechos de abertura do relato. Ultrapassados esses obstáculos para vencer o labirinto discursivo desenhado cuidadosamente com régua e compasso, entreguei-me ao encadeamento de avanços e recuos cronotópicos na confluência entrecruzada persistente de memórias, sucessos, peripécias, episódios, casos, eventos, repartidos por cinco secções devidamente assinaladas, cada uma delas encabeçada por um prólogo, seguidas por três/quatro unidades diegéticas distintas e culminando com um epílogo catalizador de toda a fabulação, de idêntico modo partilhado pelos núcleos narrativos referidos.
No frenesim de saltitar duns fragmentos romanescos para outros, na oscilação constante entre si, acabamos por identificar três polos-base que unificam todo o processo imagético em curso, consubstanciado nas figuras de Don Anselmo, do Sargento Lituma e do bandido Fushía, nada que os folhetins radiofónicos ou as novelas televisivas não conheçam e pratiquem à exaustão. Com a ação centrada nos palcos cénicos na cidade de Piura, sita no deserto da costa norte do Peru, e em Santa María de Nieve, povoado estabelecido no seio da floresta equatorial banhada pelas bacias hidrográficas do Maranhão e Amazonas, o destino destas três figuras-charneira desenvolve-se ao longo dumas quatro décadas em perfeita simbiose com os demais intervenientes da trama, cujos nomes seria fastidioso registar. É neste ambiente primitivo que o destino da Casa Verde (o bordel que empresta o nome à obra) se vai traçando, linha após linha, página após página, sequência após sequência.
Superado o bloqueio preliminar aludido, a viagem visual outorgada pela veia criativa dum dos mais galardoados autores atuais até pode ser descrita como agradável. O esquema rígido, idealizado como se fosse uma poesia submetida às regras mais rígidas duma poética prescritiva clássica avessa a qualquer tipo de desvio estilístico, acabou por ampliar o proveito e deleite obtido no final do trajeto. Fecha-se o livro e ficamos com a sensação de ter perpassado o olhar por um grande retábulo representativo dum mundo ignoto, por uma pluralidade de painéis de vidas pintadas numa missão de monjas, numa guarnição militar numa ilha fluvial, num selva tropical ou num bairro problemático do antigo Império Inca, ainda habitado pelos nativos Huambisas, Aguarunas e Shapras, em guerrilha tenaz com os conquistadores cristãos oriundos do outro lado do mar. Moldura exótica para o nosso olhar quotidiano habituado a outros horizontes mais restritos de eventos que a literatura, com a sua capacidade de pintar com palavras os universos construídos na nossa imaginação, nos presenteia a cada momento.
Brilhante crítica literária, Prof, que convida a explorar este título que desconheço de Mário Vargas Llosa, um autor cuja capacidade narrativa me fascina sempre. Se é uma leitura de maior dificuldade, maior é o desafio.
ResponderEliminarA dificuldade atenua-se se nos habituarmos às técnicas de escrita muito usuais nos anos 60, a obrigarem-nos a uma leitura atenta e sem pressa de chegar rapidamente ao fim das mais de 500 páginas do romance.
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