Morabitino de Ouro de Dom Sancho I[Lisboa - Museu da Moeda] |
Estalou há tempos uma polémica sobre a configuração das quinas na rosa-dos-ventos da Praça do Império em Lisboa. Mais uma a juntar às muitas a que o brasão de armas português anda associado, com direito a validação certificada pelo Polígrafo SIC. Desconheço se o reposicionamento respeitou a cronologia da expansão portuguesa representada no mapa (1418-1525), i.e., com os escudetes laterais e central direitos, com as pontas voltadas para baixo, tal como a heráldica oficial os colocou em 1482-1485, no reinado de D. João II.
Mais recentemente, o Sebastião Bugalho da AD trocou os alhos por bugalhos no discurso de candidatura às eleições para o Parlamento Europeu. Clarificando: contou os sete castelos do escudo português e chamou-lhes quinas. Trocas e baldrocas involuntárias com que se fazem os faits divers mediáticos, as gaffes politiqueiras e os lapsus linguæ discursivos. Mero deslize que nem chega a constituir uma verdadeira polémica digna desse nome. Piada malparida por um jovem comentador televisivo promovido a cabeça-de-lista partidário.
Mitos e contramitos gerados em torno dos símbolos nacionais têm sido recorrentes ao longo dos séculos que inscrevem a sua criação, gestação e fixação atual. As quinas mal contadas pelo aspirante a eurodeputado bem podiam ser nove se nos reportarmos ao brasão atribuído a D. Afonso Henriques e que certamente nunca terá usado na Batalha de Ourique. Os primitivos sinais do rei/reino adotados pela república mais não são do que simples escudetes com um número variável de besantes que o morabitino de D. Sancho I reduz a quatro.
Cinco escudos em cruz e vinte besantes em aspa com quatro estrelas de sete pontas aos cantos assinalam, a ouro, o poder dos Borgonha de cunhar moeda própria. Remontam a uma data incerta próxima da subida ao trono d'O Povoador (1185), cerca de meio século após O Fundador ter terçado armas com as taifas islâmicas do al-Andalus (1139). Sinete pessoal simbólico a afirmar o poder do rei e o prestígio do reino face às demais cabeças coroadas peninsulares, que o devir histórico adaptaria, mutatis mutandi, em emblema nacional do país.
Diz a sabedoria popular que em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. Cá por estas bandas de pobretes e alegretes num país à beira-mar plantado, fantasiam-se os momentos de crise com os feitos memoráveis dignos de figurarem para sempre no armorial nacional. Idealiza-se a origem divina da monarquia lusitana com Jesus a coroar o seu primeiro rei e a vencer com a sua égide cinco reis mouros no campo de liça. Cenário milagroso que a atual historiografia afastou de vez, mas o imaginário coletivo teima em repetir e celebrar.
BRASÕES DE DOM AFONSO HENRIQUES |
Parabéns pelo texto e respetivo enquadramento.
ResponderEliminarUm texto adequado ao meio, cheio de história e actualidade, tudo com uma bem humorada crítica. Excelente!
ResponderEliminarBelo texto crítico, Prof! Valham-nos os programas que vão esclarecendo minimamente, como o Polígrafo e Isto é gozar com quem trabalha. Talvez o humor consiga salientar que a banha da cobra continua a ser vendida, por outras caras mas sempre a enganar os tolos...
ResponderEliminarUm milénio e tantos de histórias condais, reais e presidenciais deram azo a fantasiar umas quantas lendas logo convertidas em mitos. O brasão de armas português não tem fugido a esse fadário, que o desconhecimento dos factos se tem dogmatizado à enésima potência.
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