13 de maio de 2024

Ilustre desconhecido com nome de rua

Arte vintage de soldados de brinquedo

Passei com caráter permanente os primeiros dezoito anos da minha vida na rua Capitão Filipe de Sousa, ilustre desconhecido com nome inscrito na toponímia citadina. Nessas duas décadas incompletas, nunca me questionei quem seria esse oficial. Hoje em dia continuo na mesma. Por mais que o procure no Dr. Google, a situação persiste imutável, sem satisfazer a minha curiosidade tardia. Sem dúvida, alguém importante terá sido, para nomear artéria urbana que à data fazia a ligação Lisboa–Porto.

A rua da minha infância e adolescência foi palco de muitos préstitos solenes da mais diversa ordem. Por ela peregrinavam em datas precisas os fiéis devotos das aparições de Fátima, por ela passavam em alegre parada circense as estrelas maiores e menores do Arriola Paramés, por ela desfilavam em vistoso cortejo cavaleiros, toureiros, peões de brega e forcados das corridas à antiga portuguesa, por ela marchavam os recrutas de RI5 rumo à carreira de tiro situada nas aforas da cidade termal da rainha.

À janela da casa dos meus verdes anos, recordo os romeiros dum santuário mariano estremenho, revejo os elefantes, lantejoulas, palhaços, faz-tudos e festões do maior espetáculo do mundo, relembro os coches de gala a caminho da praça de touros, revivo os passos ritmados dos futuros combatentes das guerras africanas. Na rua com nome dum ilustre desconhecido rememoro os trajetos de aparato que por ali se fizeram só desconheço os percursos de vida do militar que lhe deu nome.

A singularidade de saber o nome e o posto dum ilustre desconhecido remete-me para os efeitos perversos da efemeridade da fama. Igualam a glória do momento de tantos famosos virtuais fabricados pelas redes sociais a usurparem o espaço devido aos notáveis reais atirados para um nimbo forçado. Vivem no reino do império minuto, tão depressa erguido como caído. Estrelas-cadentes fugazes duma noite serena de verão, meteoritos celestiais incendiados em contacto vertiginoso com a atmosfera terrestre.

ADENDA
Afinal as informações sobre o ilustre desconhecido com nome de rua andavam por aí perdidas à espera que alguém as encontrasse e revelasse. Esse alguém é um velho colega/amigo de longa data com residência numa acolhedora Casa da Ginja, que merece a pena visitar frequentemente em formado virtual dum blogue concebido como uma gaveta de memórias.

CABO DA VILA
O Rol dos Confessados, de 1656, fala-se no Cabo da Vila, com 20 fogos e, em 1792, referem a rua que vai para o cabo da Vila, no foro imposto em umas casas e que paga Matias da Silva, desta vila, á confraria do Rosário.
No «Livro do lançamento das décimas do ano económico de 1844 a 1845» é já mencionada a como rua. 
Em 20 de Novembro de 1857 é intimado Ricardo da Silva Ribas a abrir a vala que recebe as águas do agueiro da Júlia, porque deterioram a rua do Cabo da Vila, e em 2 de Dezembro a Câmara deu parte ao engenheiro Mousinho (Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque?) da obstrução do Pontão do Cabo da Vila,obrigando as águas a correrem por esta rua e pela do Jardim, danificando-as.
Em 1889 ainda assim é denominada. Na sessão da Câmara compareceu o proprietário Caetano Policarpo, oferecendo-se para calçar o agueiro público [14] que passa junto da sua casa, na rua do Cabo da Vila, «pondo-se assim em estado de asseio a não prejudicar a saúde pública.
A vereação, em sessão de 13 de Maio de 1890, a requerimento de 33 cidadãos, deliberou «que fosse denominada a rua do Cabo da Vila, rua Capitão Felipe de Sousa, perpetuando o nome do valente capitão do exército do Ultramar, Caetano Felipe de Sousa, natural desta vila, que faleceu em acção na Guiné, defendendo, ali os direitos da Nação Portuguesa». [15] 
Rui Forsado, As ruas das Caldas (achegas para uma toponímia caldense).
Caldas da Rainha: Tipografia da Gazeta das Caldas, 1968 (pp. 14-15)

2 comentários:

  1. Está explicado, morreu em combate!

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    1. Era de supor que se tratasse de algo semelhante ou, pelo menos, passível de criar heróis...

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