THE MAP OF END OF THE WORLD Town map based on Haruki Murakami's novel Hard-Boiled Wonderland and the End of the World 世界の終りとハードボイルド・ワンダーランド |
– Para que serve aquele buraco? – perguntei ao Coronel.
– Para nada – respondeu, enquanto levava a colher à boca. Estão a cavar por cavar. Nesse sentido, trata-se de um buraco puro.
– Não percebo.
– É muito simples. Apeteceu-lhes fazê-lo, é a única razão.
Mastiguei o pão enquanto refletia naquela ideia de buraco puro.
– De vez em quando, cavam um buraco – explicou o ancião. – Pode bem ser que, no fundo, se compare à minha paixão pelo xadrez. Não tem sentido, não leva a lado nenhum, mas isso não interessa nada. Aqui, nós abrimos um buraco atrás do outro. São atos sem finalidade, esforços sem progresso, passos que não conduzem a lado nenhum. Não achas maravilhoso? Ninguém fica ferido, ninguém fere ninguém. Ninguém passa à frente de ninguém ou fica para trás. Sem vitória, sem derrota.
– Acho que percebo.
O ancião, depois de assentir várias vezes com a cabeça, inclinou o prato e recolheu o último pedaço de estufado.
–Talvez haja na Cidade coisas que te pareçam estranhas. Mas, para nós, é tudo muito natural. Natural, puro e pacífico. Tenho a certeza de que, um dia, tu também o compreenderás. Espero que sim. Fui militar durante muito tempo, e não me arrependo. A meu modo, tive uma vida feliz. O cheiro a pólvora e a sangue, o relampejar dos sabres, o toque dos clarins: ainda hoje recordo tudo isso muitas vezes. Contudo, não consigo recordar-me do que nos empurrava para a luta: a honra, o patriotismo, a combatividade, o ódio, esse tipo de coisas. Neste momento, talvez tenhas medo de perder o teu coração. Eu também receei pelo meu. Não tens de te envergonhar disso. – Interrompeu-se por instantes, à procura de palavras, com o olhar vago. – No entanto, quando perderes o teu coração, a tua alma encontrará a paz. Uma paz tão profunda como nunca sentiste. Lembra-te do que te digo.
Assenti em silêncio.
Haruki Murakami, O impiedoso país das maravilhas e o fim do mundo (Lx: CdL,1985. 30: 449-450)
O realismo mágico de Murakami, sempre a desassossegar-nos...
ResponderEliminarCompletamente e a convidar-nos, mesmo assim, para novos desassossegos no(s) romance(s) seguinte(s).
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