8 de abril de 2025

Academia de Platão & Escola de Atenas

Raffaello Sanzio, Scuola di Atene (c. 1509-1510)
[Pallazzo Apostolico, Stanza della Segnatura, Vaticano]

O triunfo do pensamento helénico...

No tempo em que os descendentes de Heleno andavam ainda a estabelecer os alicerces da cultura europeia, Platão reunia-se com os seus discípulos no jardim ou bosque sagrado de herói ático Academo, nos arredores de Atenas. Com eles e para eles, fundaria a Ἀκαδήμεια Πλάτωνος (c. 387AEC) que resistiria com saúde e bem de até à sua dissolução pelo Imperador Bizantino Justiniano I (529EC), i.e., cerca de 915 anos depois.

Ainda hoje existem na cidade onde nasceu vestígios da Academia Platónica, por onde passaram tantos vultos do pensamento filosófico grego. Visitei as ruínas que dela restam numas férias de verão e não vi a sombra de nenhum deles. Só os pude imaginar sentados lado a lado, ao redor do mestre. A ouvi-lo falar com um e outro sobre as mais diversas temáticas que cerca de dois milénios e meio de devir histórico não conseguiram ainda apagar.

Alguns deles podem ser vistos hoje em dia na Scuola di Atene, que Raffaello Sanzio pintou alegoricamente a fresco na Stanze della Segnatura do Pallazzo Apostolico do Vaticano. Platão e Aristóteles a presidirem aos ilustres académicos ali representados. Figuras dum classicismo renascentista a trazer ao nosso olhar pós-moderno o classicismo antigo bebido na herança helénica. Um encontro casual no eixo intemporal da criatividade humana.

2 de abril de 2025

Pevides e tremoços ao domingo e fiadas de pinhões em dias de festa

 ANEXINS
De ruim cabaça não sai boa pevide.
Carapau sem osso come-se como se fosse tremoço

No tempo em que ter um televisor em casa era um luxo inusitado e as transmissões se resumiam a escassas horas diárias, os jogos de futebol ou de hóquei eram seguidos efusivamente nos postos de rádio pelos fãs duma e doutra modalidade. Ter uma telefonia em casa era então uma realidade mais comum, mas, mesmo assim, havia o hábito de passar as tardes de domingo num local público, onde houvesse um aparelho retransmissor ligado para os relatos mais apetecidos da jornada. As tabernas de bairro constituíam nesses tempos dos meus verdes anos um espaço adequado para tal. A boa companhia dos amigos ajudava a seguir emotivamente o historial da partida, convívio geralmente regado pelos adultos com um copo de cinco branco ou tinto e um pires de pevides e tremoços.

Nunca fui um ouvinte atento dessas reportagens desportivas narradas ao pormenor por vozes estridentes especialmente treinadas para tal. A cacofonia resultante de tal prática radiofónica nunca me arrebatou por aí além os sentidos. O resultado final das partidas bastava-me à saciedade. Lembro-me, todavia, do ambiente de grande euforia que emanava ruidosamente do interior da venda de bebidas e petiscos do Sr. Clementino, junto ao chafariz d'El-Rei, no cruzamento da Capitão Filipe de Sousa com a Sangreman Henriques, arruamentos centrais do meu burgo natal. Passava habitualmente à sua porta nessas ocasiões semanais, para comprar à Ti Maria uma dose bem medida de pevides tremoços, para depois degustar tranquilamente em casa esse manjar pantagruélico digno dos deuses olímpicos.

Para fugir aos golos gritados a plenos pulmões na tasca da esquina, bastava sintonizar como alternativa a EN2. A música clássica cedia lugar nesse horário às séries musicais contínuas, sem palavreado escusado à mistura ou longos hiatos publicitários a separar as faixas instrumentais e vocais selecionadas. A proporção entre as cantigas alternavam na proporção de 1/4 de temas nacionais/internacionais. É que nas décadas pretéritas de 60/70, as rádios ainda reservavam uma parcela relevante de tempo às composições interpretadas em português, espanhol, francês e italiano, para além duma ou outra em alemão e até em inglês. Com um livro requisitado na biblioteca aberto entre mãos e um prato de pevides e tremoços ao lado, as melodias fluíam ao ritmo melódico duma tarde domingueira.

A banca de pevides e tremoços  não se deixa ver à porta da tasca vizinha da minha casa de infância. As partidas de futebol seguem-se atualmente nos diversos canais de sinal aberto ou por cabo das TV e os campeonatos de hóquei há muito deixaram de cativar os espetadores/ouvintes quando passaram a ser ganhos por outros. Tal como as sementes torradas de abóbora que abandonaram o horizonte visível de eventos ao darem autonomia às amarelinhas de trincar rendidas de morte aos encantos duma imperial estupidamente gelada. Amendoins, pipocas e azeitonas só entrariam em cena hoje em dia ou à sua beira. De repente lembrei-me das fiadas de pinhões comprados em dia de festa na praça da fruta nas manhãs de domingo. Haverá que lá voltar para testar se ainda existem.