Édipo e a Esfinge de TebasFigura vermelha em vaso grego (c. 480-470 AEC.)[Museus do Vaticano] |
« τί ἐστιν ὃ μίαν ἔχον φωνὴν τετράπουν καὶ δίπουν καὶ τρίπουν γίνεται »Ψευδο-Απολλόδωρος - Βιβλιοθήκη (III, 5, 8)[Qual é o ser que, dotado duma só voz, tem quatro pernas pela manhã, duas ao meio-dia e três à noite? ]Pseudo-Apolodoro, Biblioteca (III, 5, 8)
Enigma da inflexível cantora da cidadela de Cadmo
Se a memória me não falha, ouvi falar pela primeira vez de Édipo no secundário. Terá sido nas aulas de História ministradas pelo professor Bento Monteiro, um dos meus mestres maiores da minha formação académica pré-universitária. Veio a propósito dos mistérios ligados aos monstros fabulosos com rosto humano e corpo de leão alado, imaginados pelos mitos e contramitos do mundo helénico. Mais do que o incesto trágico, a cegueira autopunitiva, o suicídio materno ou parricídio invito, sensibilizaram-me sobretudo as palavras ocultas no enigma proferido pela Esfinge de Tebas.
Decifra-me ou devoro-te! Vociferava a cantora inflexível, traiçoeira e impiedosa, carcereira da cidadela grega fundada por Cadmo. E o filho abandonado ao nascer por Jocasta e Laio encontrou a solução para a charada mortal, eliminou com uma flechada ou obrigou-a a despenhar-se dum alto penhasco e tornou-se Rei de Tebas. O ser dotado duma só voz era o Homem, que na primeira infância se limita a gatinhar com as mãos e os pés, depois em criança e adulto aprende a caminhar com as duas pernas e finalmente na velhice recorre a um bordão para não me arrastar.
Comecei a andar numa idade que não sei precisar. Só participei nesse processo, através da observação das tentativas lentas e contidas, feita de avanços e recuos das minhas filhas e neto. Um entorse ou algo semelhante que me passou de raspão obrigou-me a valer-me dum bastão ortopédico com luz e ponteira. Édipo não escapou ao oráculo de Delfos de matar o pai e casar com a mãe, mas teve coragem de enfrentar a autopunição que a si mesmo se impusera. De facto, o livre-arbítrio só falha no ato de nascer, crescer e envelhecer, para o qual não temos forma conhecida de evitar.
Uma reflexão muito oportuna, Prof., e bem sugestiva com o enquadramento histórico-filosófico que lhe atribuis. Há que usar com sabedoria a terceira perna que nos é oferecida nesta altura da nossa vida...
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