“Life… is a bit like reading. … If all your responses to a book have already been duplicated and expanded upon by a professional critic, then what point is there to your reading? Only that it’s yours. Similarly, why live your life? Because it’s yours. But what if such an answer gradually becomes less and less convincing?”Julian Barnes, Flaubert’s Parrot (1984)
Quais as fronteiras do Romance, o único grande género poético que não mereceu a atenção teórica de gregos e latinos, na sua ânsia pedagógica de definir os universos da literatura. É que para uns e outros, uma narrativa em prosa estaria a anos-luz de distância duma narrativa em verso ou Epopeia. Mesmo assim, a verdade é que à medida que a popularidade dos relatos versificados se diluiu com a passagem do tempo, os prosificados acabaram por se tornar nos preferidos dos leitores atuais. Julian Barnes demonstra n'O Papagaio de Flaubert (1984) que a miríade de formas usadas à exaustão há mais de dois mil anos podem, muito bem, ser sucedidas/completadas por outras pessoais duma pós-modernidade transversal elaborada na passagem do segundo para o terceiro milénio.
Confidencia-nos o autor n' «O papagaio aos 40» ‒ Prefácio inserido na edição especial comemorativa do quadragésimo aniversário do lançamento da sua magnum opum ‒, ter sido finalista do Brooker Prize desse ano, galardão que acabaria por ver fugir para outras mãos, à partida mais merecedoras de o receber que as suas. Recebera a notícia da nomeação quando se encontrava com a mulher a passar duas semanas em Cantal, a que então se poderia chamar La France profonde. Embalado por esse impulso de revelar factos vividos no início duma carreira literária brilhante, tece uma série de comentários sobre as relações imprevisíveis estabelecidas entre o escritor e o leitor, bem como do sucesso que poderia ou não vir a granjear no futuro, mormente na escolha do título a dar aos livros por si gizados, neste caso resultante da associação do nome duma personalidade célebre com um item pouco óbvio.
O ponto de partida para a composição deste exercício de escrita criativa situa-se, pois, na figura dum dos vultos maiores da cultura literária gaulesa oitocentista e numa das mais exóticas aves que povoam a nossa imaginação, apresentados em imagens coloridas e em letras gordas na capa do volume que, à partida, revelará essa associação algo insólita. Tal tarefa, todavia, será confiada ao fictício Geoffrey Braithwaite, narrador central do relato, que muito de vez em quando, se fará substituir por outras entidades reais/inventadas diversificadas, conferindo assim ao texto uma visão multifacetada dos factos trazidos à colação, perfeitamente adequada para tecer as fases mais significativas da vida de alguém, como se fora um conjunto de buracos ligados por um fio, como se fosse uma rede de pesca. Por muito peixe que se apanhe, há sempre muito mais que fica por filar.
Descobrir o paradeiro do papagaio empalhado que terá inspirado Gustav Flaubert a desenhar com palavras Un cœur simple (1877), o mais conhecido conto que legou à posteridade, amplamente citado, resumido e comentado ao longo desta digressão da criação/crítica literárias. Lido este livro de ensaio biográfico de feição romanesca, fica no ar a vontade imperiosa de revisitar com outros olhos as páginas tantas vezes aludidas da Madame Bovary e de L'Éducation sentimentale, há tanto tempo deixadas em repouso numa estante de livros da minha biblioteca pessoal, e estrear-me na descoberta da Salambô e, inevitavelmente, nos Trois contes que albergam a tal história curiosa de Loulou, o papagaio de corpo verde, com a ponta das asas cor-de-rosa, a cabeça azul e a garganta dourada.
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