TUDOR ROSES AND SPANISH POMEGRANATES Thomas More, Coronation Suite (1509) |
«-Eu sei, Madame. Mas eu sentar-me-ei aqui ao vosso lado e falarei de tudo menos de infelicidade. Os cortinados da antecâmara precisam de ser reparados. Poderei começar a a arranjá-los ou preferis ajudar-me? Talvez pudéssemos bordar um desenho:ou as rosas Tudor ou o nosso próprio emblema de Romã.»Julia Hamilton, Catarina de Aragão (1973)
Avises, Trastâmaras, Habsburgos & Tudors
De 9 a 13 de outubro de 2007, passou na RTP1 The Tudors, série pro-duzida pela Peace Arch Entertainment para a Showtime. Segui-a com interesse até ao quarto episódio e com reservas os seis restantes. A mudança de motivação deveu-se sobretudo à falta de rigor histórico registado na sua conceção televisiva. D. Manuel I de Avis nunca se casou com nenhuma princesa inglesa, tendo optado por duas infantas Trastâmaras e uma Habsburgo. Henrique VIII Tudor seguiu a mesma política de aliança dinástica, contraindo matrimónio com a cunhada Catarina de Aragão, viúva do príncipe Artur e irmã mais nova das duas rainhas consorte de Portugal, Isabel e Maria de Aragão e Castela, e tia da terceira, Leonor de Áustria. Uma verda-deira família real, ligada pelos vínculos de sangue às coroas de três países: Portugal, Espanha e Inglaterra.
Tendo o processo de divórcio do filho do vencedor da Guerra das Duas Rosas e da filha dos Reis Católicos tido início em 1530, seria impossível que a hipotética princesa Margarida Tudor se tivesse casado com o Venturoso ou de o ter sequer assassinado, dado que este falecera de morte natural em 1521. A senilidade lúbrica do monarca lusitano resulta também uma brincadeira de mau gosto, dado que por essa altura reinava em Portugal D. João III, de 28 anos de idade, conjuntamente com Catarina de Áustria, a filha mais nova de Joana-a-Louca e de Filipe-o-Belo. Os erros sistemáticos cometidos não se ficam por aqui, espalhando-se um pouco por toda a série de fundo histórico mas tratada como uma história de ficção televisiva. Dispenso-me de elencar a totalidade das fantasias cometidas, porque outros já se deram ao trabalho de o fazer.
Voltei a visionar os pés encardidos do inventado e decrépito rei de Portugal numa reposição do AXN White, iniciada a 23 de março de 2020. A sensação de repulsa causada pela cena repetiu-se com a mesma intensidade experimentada aquando da estreia da série, só que desta vez resolvi rever todos os episódios da primeira temporada e ver como estreia absoluta os restantes episódios das três temporadas seguintes. Este regresso aos dramas conjugais do fundador da Igreja Anglicana levou-me a recordar As seis mulheres de Henrique VIII, uma outra série produzida pela BBC em 1970 e transmitida no ano seguinte pela RTP. O grande sucesso alcançado com essa saga familiar foi, aproveitada pelas Edições Dêagá em 1973, através da publicação de seis volumes centrados em cada uma das rainhas consorte do segundo monarca Tudor.
Quando a viúva do Príncipe de Gales se casou com o Defensor da Fé Católica em 1509, mal imaginava que estava a dar início à Reforma Inglesa. O divórcio em 1533 pôs também termo à aliança da Rosa Tudor e da Romã Trastâmara, representadas por Thomas More na Coronation Suite. A união dinástica da rosa vermelha Lencastre e da branca York deixou de partilhar a Coroa Real com o emblema da tomada do Reino de Granada aos Nacéridas em 1492. A fertilidade simbolizada nos grãos da romã (granada em castelhano) seguida por Catarina de Aragão como divisa produziria um único fruto, a futura Maria-a-Sanguinária, colheita muito escassa para as aspirações de Henrique VIII. Mais certeiro foi o mote seguido pela rainha, Humble and Loyal. Que melhor lema para definir a Humildade e Lealdade que manteve até à morte para a Roma papal e a Londres real.