17 de dezembro de 2020

Dinâmica retórica da boa e da má justiça

Alegoria do Bom e do Mau Juiz
Fresco do séc. ⅹⅴ dos antigos Paços de Audiência de Reguengos de Monsaraz
TITULO I - Das abolição da pena de morte e de trabalhos publicos, e da substituição de uma e outra d'estas pena nos crimes civis - Artigo 1.º Fica abolida a pena de morte. | Art. 2.° Fica tambem abolida a pena de trabalhos publicos. 
TITULO II - Das penas de prisão maior e de degredo, e da applicação das mesmas penas - Art. 6.° A pena de prisão maior perpetua fica abolida. 
Dom Luiz, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves

O direito à reintegração social...

Ouve-se por aí dizer à boca cheia que a Ⅲ República deve ser substituída rapidamente por uma Ⅳ República regeneradora﹘ou Ⅱ Estado Novo﹘, por certo mais eficiente do que a atual, pelo menos para os seus proponentes saudosos dos tempos da Outra Senhora, que desejam ver bem marcada a ferrete, com um cunho nacional, conservador, liberal e personalista.

Comenta-se por aí num diz-que-diz continuado que a introdução da castração química resolveria de vez os crimes de violação e abuso sexual de menores que grassam por aí a olhos vistos, desvios que a manterem-se tal e qual perpetuariam uma cultura de impunidade e de desconfiança dos cidadãos face à boa justiça preconizada pelos  pupilos d'O Botas de Santa Comba.

Diz-se por para quem quer ouvir e repetir que a reintrodução da pena de prisão perpétua para certos delitos bárbaros e horrendos, perturbadores da paz e da ordem pública, seriam cortados pela raiz, pondo cobro à justiça assente na libertação dos condenados ao fim de apenas 25 anos, convidando-os a voltar a práticas nefandas em que são mestres incorrigíveis.

Ouve-se, comenta-se, diz-se por aí, a torto e a direito, num vaivém sem fim à vista. Escreve-se, apaga-se e reescreve-se, ao sabor da maré sobre os bons e maus juízes, a propósito de tudo e de nada. Lançam-se novas/velhas ideias em surdina para serem repetidas aos quatro ventos em alta voz a ver se pegam, tudo em nome dos bons costumes e a bem da nação.

Chega de apregoar em surdina ou aos berros, de fazer crer contra tudo e contra todos, de prometer um mundo melhor, mais justo e mais humano, imposto à lei da bala com a recuperação das penas de morte, de mutilação física e de prisão perpétua, muito abolidas entre nós em prol do direito inalienável das gentes de usufruírem do livre arbítrio e da reintegração social.

d

nos antigos Paços de Audiência de Reguengos de Monsaraz um fresco alegórico do Bom e do Mau Juiz, que hoje em dia emanariam das políticas dum bom e dum mau governo. Saibamos nós ler devidamente nas entrelinhas os sentidos figurados ali destacados e devolvamos-lhes os sentidos próprios adequados, para que assim a dinâmica retórica da imagem funcione.

2 comentários:

  1. Só os de má memória não sentem horror ao que expressões como "Estado Novo" e "Outra Senhora" significam... É inconcebível seres que se intitulam humanos aceitarem a Lei de Talião como aplicável nos nossos tempos. E pensarem tal qual o juiz mau de duas caras em decidir sobre vidas humanas, sem sequer considerar medidas que desde cedo apoiem a integração social...

    ResponderEliminar
  2. É sempre com perplexidade que leio propostas de tal calibre e desumanidade.
    Vejo nelas populismo e tentativas de conduzir os pobres de espírito para caminhos obscuros.
    Compete aos mais esclarecidos alertar, chamar a atenção, dar o exemplo e indicar o caminho da humanidade e da compaixão.

    ResponderEliminar