Os versos do velho poeta Konstantínos Kaváfis
Que intensidade põe ela ao recitar a passagem em que o velho lança fora a antiga carta de amor que tanto o comoveu e exclama: «Entro tristemente no terraço; que nada venha distrair o curso dos meus pensamentos, nada, nem mesmo o espetáculo dos movimentos insignificantes da cidade que amo, das suas ruas e das suas lojas!» E levanta-se, abre as persianas e debruça-se sobre a varanda que deita para a cidade recamada de luzes, todo o seu ser tenso sob a carícia do vento do entardecer que chega das planícies da Ásia; e, durante um breve lapso, nem mesmo tem consciência do corpo que lhe pertence.
Recopiei e entreguei-lhe as duas traduções de Cavafy que tanto lhe tinham agradado embora não sejam literais. Hoje, os leitores de Cavafy são mais numerosos, graças à belas e profundas traduções de Mavrogardato, e agora os outros poetas podem tentar interpretá-lo com mais facilidade: tentei mais transplantá-lo do que traduzi-lo, mas não sei até que ponto posso ter sido bem-sucedido.
Dizes: vou partirPara outras terras, para outros maresPara uma cidade tão belaComo esta nunca foi nem pode serEsta cidade onde a cada passo se apertaO nó corredio: coração sepultado na tumba de um corpo,Coração inútil, gasto, quanto tempo aindaSerá preciso ficar confinado entre as paredesDas ruelas de um espírito banal?Para onde quer que olheSó vejo as sombras ruínas da minha vida.Tantos anos vividos, desperdiçadosTantos anos perdidos.Não existe outra terra, meu amigo, nem outro mar,Porque a cidade irá atrás de ti; as mesmas ruasCruzam sem fim as mesmas ruas; os mesmosSubúrbios do espírito passam da juventude à velhice,E tu perderás os teus dentes e os teus cabelosDentro da mesma casa. A cidade é uma armadilha.Só este porto te espera,E nenhum navio te levará onde não podes.Ah! então não vês que te desgraçaste neste lugar miserávelE que a tua vida já não vale nada,Nem que vás procurá-la nos confins da terra?
Lawrence Durrel, Justine (1957)
Poema Konstantinos Kaváfis
IN Quarteto de Alexandria
(Lisboa: D. Quixote, 2012; 31, 207-208)
[Tradução Daniel Gonçalves]
Uma leitura poética para bem começar o Ano!
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