MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA Ballet ou Les Arlequins (1946) |
Com raízes na antiga tradição ática dos hinos a Dioniso-Baco e do Canto de Aldeia, os folguedos, farras, festins, folias e pândegas mil andaram sempre ligados aos mais diversos disfarces, na tentativa de se fingir ser aquilo que não se é ou se tem pudor de assumir no resto do ano. Nos cortejos de rua multiplicam-se os mascarados, munidos duma caraça, máscara ou mascarilha de cartão ou com a cara profusamente pintada, caraterizada ou maquillée. As crianças apreciam especialmente transformarem-se por um só dia que seja nas mais diversificadas personagens de fantasia a enriquecer o seu imaginário infantil de faz de conta.
No Renascimento italiano, a camada menos instruída da população, desconhecedora da língua tida na época como universal, substituiu o latim da comédia erudita pelo vulgar italiano da Commedia dell'Arte também chamada Commedia all'Improviso e Commedia a Sogetto. As companhias familiares praticavam a itinerância de cidade em cidade. Deslocavam-se de carroça, tal como o fizera Téspis na Ática do séc. Ⅵ AEC, representavam em pequenos palcos rudimentares instalados nas ruas e praças públicas, interagiam com o público exercendo a arte do improviso, limitando-se a seguir as linhas gerais dum roteiro simplificado.
A criançada apropriou-se ao longo dos tempos de algumas das figuras-tipo dessa representação dramática. A riqueza cromática do seu vestuário e dos motivos que lhe dão forma estará na origem dessa preferência multissecular. Entre essas caricaturas da vida humana, foi-se destacando o triângulo amoroso constituído por Colombina, enamorada de Arlequim e amada por Pierrot. A vingança deste último sobre o rival está-se a manifestar sem dó nem piedade esta terça-feira gorda de jejum. Roubou-lhe o Carnaval pelo segundo ano consecutivo, depois de este lhe ter roubado a musa da sua paixão. Cá se fazem cá se pagam.
Mais um magnífico enquadramento histórico, Prof! E viva o Carnaval, com ou sem carne, que já não celebro como dantes, mas que muitas alegrias me deixou registadas desde a infância. Ou não fosse eu oriunda de um país do carnaval, irmão mais pequeno do país brasileiro onde o carnaval impera, ainda de forte expressão artística apesar do cariz comercial que se lhe impôs. Pierrot estará feliz, mas milhões chorarão a oportunidade de mais uma vez cantar "Um Pierrot apaixonado / que vivia só cantando / por causa de uma colombina / acabou chorando, acabou chorando"...
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