1 de janeiro de 2022

Janeiro das portas e janelas

GIANO BIFRONTE
Rappresentazione pittorica del dio Ianus
« Je revins à la maison. Je venais de vivre le 1er janvier des hommes vieux qui diffèrent ce jour-là des jeunes, non parce qu'on ne leur donne plus d'étrennes, mais parce qu'ils ne croient plus au nouvel An. »
Marcel Proust, À l'ombre des jeunes filles en fleur (1918)
Jano, o deus latino das passagens...
Janeiro (latianŭārĭu-) é desde o reinado de Numa Pompílio (c713 AEC) o primeiro mês do ano, quando o ciclo solar substituiu o lunar na feitura do calendário. Nem sempre assim foi. Nas origens ocupava a penúltima posição, situado entre dezembro e fevereiro. Deve o seu nome a Jano (lat. Jānŭs), rei mítico do Lácio natural da Tessália, di-vinizado depois da morte por Roma como deus das portas (latianŭæ) e janelas (lat. ianŭellæ). Tutelava as entradas e saídas, as mudan-ças e transições, a passagem do ano velho para o ano novo, o começo de mais um ciclo temporal. Daí, ser retratado com duas faces, uma a olhar para trás, para o passado, para a infância perdida, outra para a frente, para o futuro, para a maturidade vindoura.

Contam e recontam sem descanso as lendas da Idade de Ouro ter a deidade bifronte fundado a cidade de Janículo, quando chegara por mar a terras itálicas como exilado helénico. Fê-lo na vizinhança do Vaticano, numa alta colina defensiva da orla poente do rio Tibre, fora dos limites antigos da urbe romana. Segundo a tradição oral que os anais escritos passaram a registar, durante o conflito de Rómulo com os Sabinos, Jano terá feito brotar à vista dos assaltantes do Capitólio uma nascente de água quente, que os aterrorizou e pôs em fuga desenfreada. O templo que lhe foi erigido passou desde então a manter as portas abertas em tempo de guerra, para que o rei-deus pudesse prestar o seu auxílio sem grandes delongas.          

Costume perdido esse o de lançar pela janela fora na noite de São Silvestre a tralha velha acumulada ao longo do ano defunto e sem serventia no vindouro. Assim pudéssemos nós fazer reviver essa prática caída em desuso para nos livrarmos de vez do COVID-19 (também conhecido por SARS-CoV-2, nas variantes άλφα, βήτα, γάμμα, δέλτα [...] όμικρον)que nos tem atormentado a existência há já demasiado tempo. Bater tampas de tachos e panelas para dar as boas vindas ao ano-bom, fechar para sempre a porta de Jano e enviá-lo ao demo até nunca mais. Basta de tantos acrónimos, siglas e cifras pandémicas, criados pelo ano-velho e que o ano-novo dispense a partir de hoje in sæcula sæculorum amen.

JANUS
Moeda de cobre (211-208 AEC)
[Museu Nacional de Arqueologia]

1 comentário:

  1. Como já não aguento tanto acrónimo relacionado com a saúde, envio votos de um Próspero Ano Novo!

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