LA JÉRUSALEM CÉLESTE Tapisserie de l'Apocalypse [Château d'Angers, France, c. 1375] |
Eternos moradores do luzente, | Estelífero Polo e claro Assento: | Se do grande valor da forte gente | De Luso não perdeis o pensamento, | Deveis de ter sabido claramente | Como é dos Fados grandes certo intento | Que por ela se esqueçam os humanos | De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.Luís de Camões, Os Lusíadas, 1572 (I, 24)
… depois dos três impérios dos Assírios, Persas e Gregos que já passaram, e depois do quarto, que ainda hoje dura, que é o Romano, há de haver um novo e melhor Império que há de ser o quinto e último.Padre António Vieira, História do Futuro, 1653-1661 (I, i )
Grécia, Roma, Cristandade, | Europa – os quatro se vão | Para onde vai toda idade. | Quem vem viver a verdade | Que morreu D. Sebastião?Fernando Pessoa, Mensagem, 1936 (III, i, 2.º, 5)
Da Terceira Roma à Nova Jerusalém...
Quando durante a Revolução Neolítica os caçadores-recoletores nómadas se tornaram agricultores-pastores sedentários, o processo embrionário de formação dos impérios começou a perfilar-se no horizonte. Se nos cingirmos à visão bíblica judaico-cristã, ter-se-iam sucedido quatro grandes entidades políticas de dimensão territorial crescente, identificadas com o Assírio-Babilónico, o Medo-Persa, o Greco-Macedónico e o Romano-Bizantino. Outros se lhe seguiram ao longo dos séculos, mas nenhum deles conseguiu conquistar o domínio almejado e inequívoco de Quinto Império do mundo.
A literatura épico-profético-lusitana de Luís de Camões, do P.e António Vieira e Fernando Pessoa olharam para os vastos domínios dos reinos e senhorios de Portugal e Algarves, de Aquém e Além-Mar em África, da Guiné, Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia como globais, sem abranger todavia os vinte e quatro fusos horários da esfera terrestre. Nem o império católico dos filipes hispânicos onde o sol nunca se punha, nem o napoleónico do imperador dos franceses, nem o império anglicano de sua majestade britânica lograram erigir nos seus tempos áureos de conquista eurocêntrica do mundo.
Os impérios centrais eurasiáticos autocratas altamente belicistas dos alemães, dos austro-húngaros, dos otomanos turcos e dos ortodoxos russos ruíram durante a Grande Guerra, seguidos na geração imediata da queda do eixo imperial germano-italiano-nipónico no final da Segunda Guerra Mundial. O tempo dos impérios parecia ter desaparecido de vez do horizonte planetário global na passagem do segundo para o terceiro milénios, sobretudo a partir do derrube do Muro de Berlim e da subsequente implosão interna do império soviético e do universo da cintura-tampão de países-satélites.
Nos dias de hoje, o sonho delirante do ideado patriarca da alma russa, a real e a imaginária, o candidato presumido a senhor absoluto de toda a Rússia, grande, pequena e branca, empenhou-se na tarefa providencial de recuperar a grandeza imperial de superpotência há muito perdida. O predador-vencedor/perdedor continua a sua cruzada de reunir as parcelas sumidas da miríade de entidades multinacionais anexadas pela força das armas no decurso dos séculos. Triste César este de pacotilha, ocupante de ruínas alçadas numa terra queimada, devastada mas nunca subtraída à vontade indomável dos povos.
O novo grão-duque de Moscóvia, o novo czar sem coroa do Kremlin, o novo soberano redentor da Rus eslava, ambiciona ativar a titularia imperial herdada do passado e tornar-se o potentado supremo da urbe humana globalizada, o messiânico conquistador do Quinto Império. Moscovo, já considerada a Terceira Roma terrestre, passaria a ser também uma legítima e merecida Nova Jerusalém celestial, a cabeça bicéfala do ambicionado Império do Mundo. Delírios do novo déspota enlouquecido que nos calhou na rifa. Cuidado com ele que anda por aí às claras a atazanar-nos o juízo.
Reuterswärd – Non-Violence – New York City (2012) |