1 de outubro de 2014

Em tempo de gatunos & ladrões...

OS GATOS DO MÚSICO
Fragmento de painel de azulejos do palácio Fronteira (Lisboa: Séc. XVI)

DIES IRÆ

- É que, sabem, não é por acaso que as palavras são como são. Vejam, por exemplo, a palavra gatuno e a palavra ladrão. Só aparentemente é que significam a mesma coisa, porque gatuno quer mais dizer o que se introduz a roubar subtilmente, sem ruído, pela sorrelfa, como o gato. Daí... gatuno, igual a gato + uno. Pelo contrário, o que rouba com ruído, com estardalhaço, procedendo como o cão que ladra, chama-se ladrão, que vem de ladrar + ão. Não meus caros, o povo é sábio, nunca inventa palavras à toa. O povo é esperto.

Mário de Carvalho, A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho (Lisboa: 1983)

4 comentários:

  1. Popularis sapientia que tão bem relembras com este excerto do livro de Mário de Carvalho. A tristeza maior é mesmo a manipulação do povo quando se pensa que o poder é ilimitado. Mas há sempre ocasião para se mostrar que vale a pena lutar contra a tirania do ladrão...

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  2. Leticia Pilar Martins3 de outubro de 2014 às 09:46

    Muito interessante... nunca tinha reparado... nem me lembraria estabelecer essa analogia... ou simplesmente ir ver...

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  3. Acerca da diferença muito curiosa por sinal, entre gatuno e ladrão, o que me explicaram em tempos foi a diferença entre furto (subtrair, sem usar a força) e roubo (subtrair, utilizando a força).

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  4. As etimologias reveladas pela literatura nunca devem ser levadas muito a sério quanto ao rigor científico que as enforma, sobretudo quando a liberdade poética dos escultores de palavras é exercida pelos mestres da ironia. É o que se passa com Mário de Carvalho, que trata a língua por tu e sempre duma forma divertida. O apontamento satírico composto há três décadas mantém-se atual. A arte de furtar continua na ordem do dia. Triste realidade em que a verdade imaginada por um conto do insólito se transforme numa verdade realizada quotidianamente neste nosso país do faz de conta. O sorriso aberto mantém-se mas pintado de amarelo pálido, a cor do engano, da traição, da cobardia ou da insanidade consentida…

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