1 de maio de 2015

Por esse rio adentro...

José de Guimarães, Primeiro de Maio (1975)


O tudo & o nada

No primeiro dia de maio de 74, adentrei-me da maior concentração de gentes por metro quadrado da minha vida. Rio de gentes a encherem as ruas da cidade. Mar de gentes a ocuparem um estádio da antiga capital dum império caído. Da alegria no trabalho se lhe pôde então chamar com propriedade.

No dia do trabalhador de 74, os jornais, as rádios e as televisões de todo o mundo cobriram o acontecimento em direto. Falaram que mais de um milhão de pessoas fluíra então pelas ruas de Lisboa. Número redondo para contar o incontável. Para dizer quantas pessoas cabem numa multidão.

Quarenta e um anos após o primeiro primeiro de maio em liberdade, a cobertura dos mass media do país estão viradas para outras realidades mais atuais. Políticas, eclesiásticas, financeiras, judiciais, desportivas. Um apagão total sobre a efeméride festejada no dia com direito a feriado.

O rio de gentes fluirá para os supermercados dos descontos especiais no dia do trabalhador. Os repórteres de serviço cobrirão à vez a guerra de promoções e a greve da transportadora aérea nacional. Nas ruas, a multidão será fácil de contar. O mar virará lago e o rio um mero regato. O tudo e o nada.   

2 comentários:

  1. Quase nada, na realidade, face à mera cobertura em jornais televisivos em vez de uma reportagem alargada. Se não houvesse um pequeno programa diário de divulgação sobre o 25 de Abril e os acontecimentos associados, a comemoração passaria em branco. Habituamo-nos ao sistema político-social em vigor e esquecemo-nos que depressa o poderemos perder...

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  2. O mar de gente que no primeiro dia de maio em liberdade encheu as ruas da cidade gritou a plenos pulmões que o povo unida jamais seria vencido, tomando como seu um slogan importado da revolução chilena derrotada pelas forças totalitárias que se lhe opuseram a ferro e fogo. Entre nós, a renovação democrática conseguiu apagar as correntes contrarrevolucionárias, mas a união das gentes durou enquanto pôde durar. De vez em quando lá dá sinais de acordar, mas tudo volta ao início à espera que os ares do sebastianismo pretérito volte a cena para prepara o porvir...

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