Um peixinho dourado com barbatana dorsal de tubarão
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Não queiras sapateiro
tocar rabecão…
Qualidade & Quantidade
Quando os complexos de inferioridade se transformam em complexos de superioridade, a mania das grandezas manifesta-se em toda a sua extensão. Desmesuradamente. A originalidade evapora-se e a imitação explode. Os exemplos não faltam. Pequenos e grandes, antigos e recentes, imprevisíveis e expectáveis. Deixemos os de menor calibre de fora e convoquemos alguns dos mais visíveis. Nascidos numa etapa civilizacional longínqua, desenvolvidos num fluxo civilizacional contínuo e prenúncio duma evolução civilizacional vigente, perdida num horizonte de eventos ignotos, mas cada vez mais próximos do nosso ângulo de visão.
Começando com os Sumérios, não se sabe ao certo de onde vieram nem para onde foram. Provavelmente, quando inventaram a escrita, já teriam esquecido a sua proveniência e acabaram por se diluir no seio dos Acádios semitas. Nem uns nem outros se encarregaram de registar em nenhuma placa cuneiforme estes dados que em nada lhes interessaria documentar. As lendas do rei sumério de Uruk uniram-se na epopeia acádia de Gilgamesh. Estes aproveitaram-se da matéria-prima original, ampliaram-na a seu belo prazer e criaram um género novo que muitos outros depois imitaram, com Homero, Virgílio e Camões à cabeça de todos eles.
Na Idade dos Heróis épicos, Troia foi tomada, saqueada e incendiada pelos Aqueus, após um cerco de dez anos. Eneias consegue fugir e protagonizar um sem número de aventuras por terra e por mar até chegar à anelada península italiana. Aí, estará na origem da fundação lendária de Roma, cidade imperial que posteriormente conquistará toda o Mare Nostrum mediterrânico, incluindo os antigos territórios gregos. Com esta anexação punitiva, a nova senhora incontestável do mundo conhecido tenta demonstrar a alegada superioridade bélica latina sobre a invejada superioridade cultural helénica. Exageros à parte, cá se fazem cá se pagam.
Os eixos do poder mudaram-se para o novo mundo, levando consigo a secular matriz do velho continente. Para a ereção da capital, os seus arquitetos associaram as colunas e pilastras gregas aos arcos e cúpulas romanas. A acumulação desregrada de originais alheios imitados à exaustão encontra o expoente máximo no Capitólio, um misto de templos helénicos e de basílica latina ou dum bolo de noiva com vários andares. A sujeição da qualidade à quantidade, feita à medida do atual inquilino da Casa Branca, a alimentara-lhe o ego e a transformá-lo num lídimo César global, a vencer aos pontos a loucura de Nero, Calígula ou Caracala.
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WASHINGTON, THE CAPITOL. (US-D.C.(1891) |