11 de novembro de 2014

O toque alado de Thánatos

Eufrónios, Morte de Sarpédon (c. 515 AEC)

[Museu romano de Villa Giulia]

O recurso às etimologias antigas para a construção de neologismos científicos é uma prática comum aceite por todos. Alguns acabam mesmo por ser introduzidos na linguagem quotidiana, sem que a sonoridade erudita dos elementos utilizados na formação do vocábulo nos incomode os ouvidos. Outros são totalmente banidos ou evitados de todo o tipo de discurso. Tornaram-se malditos. Como se o simples ato de os pronunciar comprometesse para sempre o locutor temerário ou desprevenido que os chamou à colação.

Dispenso-me de arrolar um número de exemplos ilustrativos do afirmado e centro-me em dois únicos casos. Simétricos e comple-mentares. Distanásia e eutanásia. Palavras derivadas de Thánatos, o ser alado com que o panteão helénico personificou a Morte. A lenta e dolorosa e a rápida e indolor. Verdadeiros barbarismos para quem desconhece o seu real significado e autêntico tabu para quem o interpreta à luz dum preconceito militante. Ao homem não cabe determinar o dia exato do seu próprio nascimento-falecimento.

Pessoalmente sou favorável à morte clinicamente assistida. Ignoro se mais tarde ou mais cedo sentirei ou não a necessidade de inter-romper voluntariamente a minha existência. Espero que quando Thá-natos surgir no horizonte possa escolher o tipo de trespasse a apli-car. Que me deixe lobrigar o perfil alado do seu irmão gémeo Hypnos, a personificação grega do Sono. Depois que me levem para onde quiserem, que o livre-arbítrio acaba quando a predestinação come-ça e o destino da vida é a morte. Invisível, infalível, inexorável.

3 comentários:

  1. Não me impressiona a eutanásia quando na realidade a pessoa está a sofrer muito e não há nenhuma esperança de cura. A eutanásia é um direito que deveria assiste ao indivíduo, da mesma forma que pode optar por não querer um tratamento. Eu própria gostaria de ter esse direito se um dia for necessário entregar-me ao sono dos tempos que sucedem à vida... Mas só quando não há uma certeza absoluta de que não há uma solução de vida! Afirmo isto porque tenho uma irmã que teve um cancro profundo no cérebro e veio dos EUA para falecer junto à família. A verdade é que, apesar da opinião dos médicos, ela sobreviveu e já lá vão 17 anos! Os organismos reagem de maneira diferente, eu sei, mas julgo que a eutanásia deve ser encarada pelos médicos de forma muito responsável. No caso da minha irmã, enganaram-se os médicos do hospital de S. Francisco nos EUA e um prof. dr. no IPO, que ainda por cima foi bastante desumano na sua maneira de lidar com ela...

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    1. O problema da eutanásia resolve-se em dois momentos distintos:
      (1) Aceitar o princípio da morte clinicamente assistida;
      (2) Estabelecer as regras da sua aplicação.
      O problema complica-se quanto invertemos a ordem dos fatores. Discutir as regras sem aceitar o princípio. Ou seja, começara construir a casa pelo telhado.
      Pessoalmente defendo a aplicação dum livre-arbítrio completo. Poder optar pela eutanásia já que posso optar pela distanásia. Ter coragem de a aplicar é que já é outra coisa...

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    2. Aceito o princípio e as regras que forem estabelecidas, sem qualquer dúvida. Mesmo que não seja eu a decidir, por exemplo se entrar em coma. Aliás, já avisei o meu filho que não quero que me sujeitem a exames desnecessários se não houver qualquer esperança, que antes quero morrer em paz. Afinal, a morte faz parte da vida, como dizia o meu pai. O que defendo é que o ponto 2 seja cumprido, ou seja, que o médico especialista deve ser muito responsável quando conclui pela falta de cura porque, infelizmente, assistimos a muitos erros de diagnóstico, por vezes inconcebíveis. "Vida tem um só vida", como canta a Cesária Évora...

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