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Pés Pegadas Círculos |
Nasci descalço como toda a gente e até poderei morrer calçado como ocorre com alguns. Mas, fora essas situações extremas de alfa & ómega, nunca necessitei de manter os pés ao léu pela vida fora. Em grande parte, devo-o aos meus avós maternos, os únicos que conheci. Durante toda a infância e parte pré-adolescente, a minha avó ajuntadeira e o meu avô sapateiro confecionaram-me sandálias no verão e botas no inverno.
Há quem tenha saudades viscerais dos tempos em que os pés descalços usados a contragosto imperavaM. Com os meus pés calçados a preceito em qualquer estação do ano, lembro-me muito bem dos meus colegas do primário com os pés pelados, calejados de pisar o chão de todos os dias, se sentavam, por desígnio inviolável de casta, na chamada fila dos burros, aquela que ficava situada na parte mais escura da sala.
À distância de muitos verões e invernos, sinto o prazer de andar por casa casa de pés ao ar, liberto dum qualquer tipo de prisão forçada. A passagem dos dias quentes para os frios faz-se mais no meu imaginário pessoal quando sou forçado a resguardar os pés do contacto do solo do que aquando da mudança de hora. Atiro-me às havaianas de enfiar nos dedos acompanhadas dumas peúgas de algodão ou de lã protetoras.
Sente-se o frio conforme a roupa, sobretudo quando se tem o livre-arbítrio de o fazer. De poder trocar a seu belo prazer uma t-shirt por uma camisa com mangas e umas bermudas por umas calças de pernas compridas, de escolher uns sapatos adequados a cada uma das épocas do ano. Fazer um pouco mais do que os meninos da minha escola podiam fazer quando as condições e fenómenos atmosféricos assim o exigissem.


As vezes que tive inveja das crianças à minha volta que podiam brincar de pés descalços, eu que a minha mãe proibia de os tirar por causa da bronquite asmática... Mas muitos dos colegas que tinham dificuldade em ter um par de sapatos, numa terra onde a pobreza era madrasta cega, que no Liceu o pediam emprestado quando indispensável às ocasiões, singraram na vida graças à inteligência, força de vontade e de carácter. O que poderiam alcançar nesta vida, na verdade, se as famílias desde a sua infância tivessem possibilidades de lhes dar o par de sapatos adequado...
ResponderEliminarTexto excelente, Arthur, há muitos anos que leio o seu blogue.
ResponderEliminarCrescer na cidade grande em bairros modestos mas modernos, implicou sempre andarmos calçados, mas guardo memórias de quando íamos comprar botas no inverno e sandálias no verão. Apanhávamos o autocarro até ao Areeiro, a sapataria era sempre a mesma, saiamos de lá com os sapatos novos calçados, íamos em grupos de 3… éramos 7 irmãos, alguns nasceram após abr74.
ResponderEliminarEra o tempo das botas ortopédicas, mais dispendiosas.
Depois de abr74, a vida mudou muito… para pior…
Hoje, em casa, andamos sempre descalços, qdo arrefece, as meias protegem do frio…