27 de agosto de 2021

As duas rainhas titulares marginalizadas

      Condessa-Rainha Dona Teresa de Leão & Rainha Dona Beatriz de Borgonha      

A lista comummente aceite como oficial da Coroa Portuguesa regista trinta e cinco monarcas, entre os quais se contam duas rainhas da Casa de Bragança, Dona Maria (1777-1816) e Dona Maria Ⅱ (1826-1828 e 1834-1853), apesar de terem partilhado o governo com os consortes Dom Pedro  (1777-1786) e Dom Fernando  (1837-1853). Para além do isolado caso de Garcia de Portugal e Galiza, da estirpe dos Jiménez de Pamplona, ficaram ainda de fora Dona Teresa de Leão e Dona Beatriz de Portugal, soberanas suo iure (= de seu pleno direito) da dinastia condal e real de Borgonha. Reinados agitados por conflitos bélicos regionais, peninsulares e europeus, que abrangem em termos cronológicos a Batalha de São Mamede (1128), o Interregno (1383-1385), as Invasões Francesas (1807-1811) e as Guerras Liberais (1832-1834).

Após a morte do marido, Dona Teresa dirigiu o Condado Portucalense como regina, por ser filha de Afonso Ⅵ, o Imperator totius Hispaniæ, e ter recebido essa honraria papal de Pascoal Ⅱ, pela bula Fratrum nostrum de 18 de junho 1116. A viúva do Conde Dom Henrique assumiu, assim, a soberania plena do território que havia recebido à data do casamento pelo pai e que dirigira de facto (= na prática e de direito) com o marido e sozinha. Em contrapartida, Dom Afonso Henriques, por descender dum mero comiteteve de se contentar com o título de dux, dado por Lúcio  na carta Devotionem tuam de 1 de maio de 1144), antes de se proclamar princeps e rex, mal destituiu a mãe em 1128. O reconhecimento da titularia régia teria de esperar sessenta e três anos pela assinatura de Alexandre Ⅲ na bula Manifestis probatum de 23 de maio de 1179.        

Dona Beatriz, a única filha de Dom Fernando  e Dona Leonor Teles, herdou o trono logo após a morte do pai. Le roi est mort, vive la reine, i.e.,  Real, real, pela rainha de Portugal. Como a nova rainha tinha à data 10 anos e estava casada com Juan  de Castela, o receio de anexação pelo consorte Trastâmara, por Iure uxoris (= em direito da mulher), deu origem à crise dinástica que terminaria com a vitória de Dom João  de Portugal, o Mestre de Avis, na batalha de Aljubarrota. A última representante de iure (= pela lei e pelo direito) dos Borgonha, de 22 de outubro de 1383 a 14 de agosto de 1385, foi deposta pelo tio, sob o pretexto de bastardia, dada a fama da mãe. Marginalizada pelo vencedor, a filha da Aleivosa foi excluída de soberana de Portugal tendo continuado consorte de Castela. O ostracismo histórico a funcionar no seu melhor.

As duas rainhas caídas e esquecidas

23 de agosto de 2021

Das utopias imaginárias do faz-de-conta às distopias reais do dia-a-dia

“ Les utopies apparaissent comme bien plus réalisables qu'on ne le croyait autrefois. Et nous nous trouvons actuellement devant une question bien autrement angoissante : comment éviter leur réalisation définitive ?... Les utopies sont réalisables. La vie marche vers les utopies. Et peut-être un siècle nouveau commence-t-il, un siècle où les intellectuels et la classe cultivée rêveront aux moyens d'éviter les utopies et de retourner à une société non utopique moins “ parfaite » et plus libre. —NICOLAS BERDIAEFF
Aldous Huxley, Brave New World (1931)

quem diga e acredite que as utopias são possíveis, apesar de até à presente data só se vislumbrarem no universo imaginário da ficção. O mesmo gostaria de afirmar das distopias se, de facto, estas não existissem já em alguns recantos bem reais deste nosso mundo atual. Nascem pela força, morrem pela força, renascem pela força. Em nenhum momento são escolhidas pelo livre-arbítrio de quem as vive pela vontade determinista de terceiros, os salvadores iluminados por um qualquer fundamentalismo de sentido político, económico ou religioso. A leitura literal e ortodoxa da Bíblia e do Alcorão - para nos restringirmos ao domínio das alegadas revelações divinas - têm sido fruto de muitos equívocos de inquisições e jiades de toda a espécie e feitio. Os exemplos têm-se multiplicado ao longo dos séculos e milénios um pouco por toda a parte. A uni-los tem estado sempre a intolerância, o fanatismo e o autoritarismo absolutos.

Imaginemos a Gileade das escrituras sagradas judaicas, projetemo-la no antigo território dos EUA após uma fictícia segunda guerra civil e olhemos essa nova república teocrática, regida como um «monte de testemunho» da doutrina cristã dogmática, radical e integrista. O tecido social é regido pelo poder absoluto dos homens sobre as mulheres, a quem é negado o direito de trabalhar, de possuir bens, de conduzir, de ler, de ter qualquer papel na comunidade que fuja à hierarquia imutável do sistema de castas instituído: comandantes-olhos-caçadores-guardiões-economistas a dominarem as esposas-tias-servas-martas-jezebels. Os casamentos forçados, o rapto de crianças, os estupros rituais, as escravas sexuais, as mutilações físicas, os castigos corporais, o envio para as colónias, as execuções públicas por enforcamento e lapidação, o dente por dente e o olho por olho pela menor infração à lei divina em vigor.

A República de Gileade foi ficcionada por Margareth Atwood como pano de fundo do The Handmaid's Tale (1985), um bestseller várias vezes premiado e adaptado ao cinema e à televisão. Foi nesta última forma, produzida por Bruce Miller em regime de streaming (2017)*, que o relato se converteu ato contínuo num sucesso mediático a nível global, indo já na quarta temporada com uma quinta a caminho. Anterior ao advento triunfante dos Talibã, movimento estudantil terrorista, difundido a partir do Paquistão em 1994 e exercido como poder efetivo no Emirato Islâmico do Afeganistão fundado em 1996. Depois de o terem perdido em 2001, voltaram a recuperá-lo em 2021, qual Fénix Renascida das trevas da militância ideológica e criminosa islâmica que a norteia, o romance-série de cariz premonitório dá-nos o alerta para a ténue fronteira existente entre as utopias imaginárias do faz-de-conta e as distopias reais do dia-a-dia.

                              Servas  -  Romance  -  Série  -  Burcas                              
NOTA
(*) A série tem vindo a ser transmitida entre nós pela TVCine  Emotion da televisão por cabo.

20 de agosto de 2021

Haruki Murakami, os meses de julho a setembro do ano de 1Q84-2

「 天吾はもう一度目を閉じ、深呼吸をし、頭の中に適切な言葉を並べた。言葉の順序を入れ替え、イメージをより明確なものにした。リズムをより的確なものにした。
 彼は真新しい八十八個の鍵盤を前にしたウラジミール?ホロヴィッツのように、十本の指を静かに空中に波打たせた。それから心を定め、ワードプロセッサーの画面に文字を打ち込み始めた。
 夕暮れの東の空に月が二個並んで浮かんだ世界の風景を、彼は描いた。そこに生きている人々のことを。そこに流れている時間のことを。」
村上春樹, 「1Q84-2」(2009)
O clima ameno e o desabrochar da flor de cerejeira, enquadradores do painel primaveril pintado por Haruki Murakami no 1Q84 (2009), dão lugar ao calor e à humidade da temporada estival das chuvas. Aos meses de abril-junho do livro 1 seguem-se os meses julho-setembro do livro 2, publicados a poucos dias um do outro e a 1/4 de século da ação nuclear narrada no romance. O início das aulas mantém o seu percurso natural até alcançar o período de férias e a saga continua a um ritmo cada vez mais rápido, mas sem nos dar grandes pistas sobre o desenlace a operar-se no derradeiro trimestre do retábulo. As expetativas são grandes, como previsto, a comprovar por a+b a arte encantatória do grande mestre das letras nipónicas.

Lidos os livros, o intento de detetar um género novelesco único resulta num ato falhado. À imagem do ecletismo nascido com a revolução romântica, as regras dogmáticas impostas pelas poéticas clássicas são sistematicamente questionadas e postas em causa. O estrito respeito a um paradigma histórico ou teórico inviolável é ignorado e a liberdade criadora de formas complexas abre caminho inevitável à diversidade compositiva. As múltiplas correntes, tendências e movimentos literários pós-modernos não fogem a esta predisposição pluralista, sobretudo as ideadas após a queda do Muro de Berlim (1990) e da falência das ideologias reguladoras das sociedades humanas de pendor mais ou menos utópico.

O vocábulo estranho continua a ser um dos mais usados no relato, mas a originar hesitações frequentes no deslinde das singularidades descritas. O equilíbrio fantástico do natural/sobrenatural sofre uma grande instabilidade explicativa, até exigir a presença de novas leis desconhecidas da ciência para lograr uma compreensão total dos fenómenos observados, inserindo-se assim no universo maravilhoso da imaginação. O insólito deixa de ser visto como fruto dum enigma ocorrido no passado (causa) e passa a ser encarado como o ponto de partida dum mundo futuro distinto (efeito), com as duas luas a iluminarem o céu de amarelo e verde, com o povo pequeno a ocupar os nossos sonhos e pesadelos, com as crisálidas de ar a criarem as ninas como substitutas das mãs. O ano ordinário de 1994 perde a unicidade espácio-temporal e abre as portas de par em par ao ano extraordinário de 1Q84. Os protagonistas aceitam-no com reservas, os deuteragonistas olham-no sem pestanejar e penetramos no Realismo Mágico, em cujo seio a realidade é apenas uma

A técnica da narrativa alternada, comum à matriz romanesca antiga greco-bizantina, mantém-se inalterada, sequenciando os amores e aventuras de Aomame (capsímpares) e Tengo (capspares) de modo pendular e encadeado. As sínteses periódicas dos percursos de vida dos dois jovens recordam-nos o seu encontro fortuito aos dez anos de idade, logo seguido duma longa separação de duas décadas provocada pela força das circunstâncias, de se terem apercebido já adultos estarem apaixonados um pelo outro e de precisarem dum reencontro final para garantirem uma trajetória existencial comum. Os obstáculos/provas exigidas pelo modelo helénico referido terão o seu apogeu espectável no livro 3 da trilogia, para que o canónico happy end marque também ele a sua presença, tal como desejamos. As condições estão criadas, as dificuldades a superar avolumam-se, a vontade de vencer é incomensurável. As expetativas de leitura são mais fortes do que nunca. As funções catártica, estética e cognitiva da literatura está cumprida.

EPÍGRAFE
«Tengo voltou a fechar os olhos, respirou fundo e ordenou na sua cabeça as palavras que lhe faziam falta. Trocou-lhes a ordem  para que a imagem ganhasse mais nitidez e uma outra precisão. Por fim, afinou o ritmo.
À medida de Vladimir Horowitz diante das oitenta e oito teclas de um piano acabado de estrear, arqueou lentamente os dez dedos no ar. Assim que se sentiu pronto, desatou a teclar com determinação os carateres, até encher o ecrã do computador.
Descreveu um mundo onde, ao cair da noite, a oriente, duas luas apareciam suspensas no céu. As gentes que ali viviam. A passagem do tempo.»
Haruki Murakami, 1Q84-2 (Lx, CdL: 4, 92)

16 de agosto de 2021

Os olhares do recém-nascido olhados por Georges de La Tour

Le nouveau-né
Georges de La Tour

Assim que abrir os olhos do sono profundo que o imergiu num repouso sereno, o olhar do recém-nascido olhado com os olhos de Georges de La Tour olharão atentos para quem o olha. Dizem tratar-se duma cena bíblica do Menino Jesus ao colo da Virgem Maria e na presença tutelar de Sant'Ana. Até pode ser. O ambiente profundamente ligado aos mistérios da natalidade cristã ainda persistia na cultura barroca da época, muito dependente das estéticas artísticas do claro-escuro caravagiano. Se se tratar da captação dum mero instante familiar duma avó, duma mãe e dum neto-filho, a dialética dos olhares não perde a menor força atrativa sobre quem lhe dirige os olhares do lado de fora da imagem captada a duas dimensões.

O famoso Minueto de Boccherini instalado num reveil matin rococó em versão boîte de musique empurrou-me em agosto de 1977, faz hoje 44 anos certos, para o Musée des beaux arts de Rennes, onde olhei os olhares do Neveau-né, olhados pelo retratista loreno e agora a serem olhados na capital bretã. A melodia programada para nos acordar às sete da manhã daquela terça-feira de verão só logrou despertar-nos 1/2 hora mais tarde. Resultado: mesmo prescindindo do petit-déj, perdemos por escassos três minutos o comboio que nos levaria a La Baule na Côte d'Amour. Aproveitámos a espera forçada da nova ligação ferroviária para visitar a residência atual duma das mais populares obras da pintura seiscentista francesa.

No meio duma sala dedicada às œuvres phares do museu do cais Émile Zola, o óleo sobre tela de 76,7 x 92,5 cm olhava-nos ávido do nosso olhar de visitantes inesperadas naquela manhã de férias estivais. Olhar iluminado por uma vela invisível a dar visibilidade ao espaço cénico noturno, de onde emergem dum fundo negro neutro as silhuetas curvilíneas das três figuras que dão vida ao quadro em tons de vermelho, castanho e branco. Detivemo-nos pouco tempo a olhá-las. A hora de partir para a costa atlântica do Pays de la Loire aproximava-se a grandes passos. Olhámo-nos uma derradeira vez e o olhar ficou-me gravado na memória até hoje. Olhares cruzados que um dia destes teremos de renovar. Il le faut absolument...  

NOTA
No mesmo dia em que soube da morte de Elvis Presley e assisti a um concerto de Charles Dumont. Uma jornada de grandes emoções musicais e culturais.

10 de agosto de 2021

Matrizes culturais dos dias da semana

Francisco d'Ollanda
DIES UNUM
De Aetatibus Mundi Imagines (1545)
[Biblioteca Nacional de España, Madrid]

 IN  PRINCIPIO  CREAVIT  DEVS  COELVM et terramTerra autem Erat jnanis & Vacua, & Tenebrε erãt Super ƒaciem Abyssi: & spiritus dei Ferebatur Super Aquas. Dixi-t Devs: fiat lvx& Facta Eſt LvxEt Vidit Devs lvcem Q esset Bona: & Diuisit lvcem ac Tenebris. Appellauitᶐ Lvcem Diem, & Te-nebras Noctem: Factuᶐ Eſt Vespere & Mane, dies vnvs. 
GÉNESIS  (1, 1-5)

A visita às fontes que outrora me serviam de companhia quotidiana passou a ser efetuada em períodos cada vez mais espaçados, mas tendo sempre o condão de me avivar a memória para saberes imunes à voragem dos dias que fluem uns após outros e ao desgaste que lhes são inerentes. A menos que a intemporalidade das pequenas coisas que identificam as culturas e as diversificam umas das outras se manifeste de modo persistente em cada instante que passa. Em todos eles utilizamos palavras com sentidos próprios cujas origens por vezes obscuras ignoramos.

A páginas tantas do manual de Serafim da Silva Neto, História da língua portuguesa (1957), encontrei um marcador amarelecido pelos anos na sua reflexão magistral sobre as diversas raízes matriciais de indicar os sete dias da semana, segundo as mitologias meridionais greco-romana e judaico-cristã, entre outros empréstimos oriundos do panteão setentrional celto-germânico. Alguma razão haveria então para fixar uma tal marcação. Não será difícil ancorá-la no caráter enumerativo do sistema português face às opções mistas dos seus congéneres atualmente em vigor.

O mito bíblico da criação do mundo e o conceito latino de fērĭa (> feira: dia de festa, de mercado, de férias) andam intimamente ligados, primeiro para assinalar as festividades da Páscoa e Pentecostes, depois os dias laborais da semana. Domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta-feiras e sábado, ou dias do Sol/Senhor, Lua, Marte/Tyr (Guerra), Mercúrio/Odin (Viagem), Júpiter/Thor (Trovão), Vénus/Fri-da (Amor) e Saturno/Sabat (Tempo/Lazer). Os sete planetas/deuses romano-nórdico-assírio-babilónicos a reforçar a divisa oficial da União Europeia, Unida na Diversidade.          

NOTA
*Serafim da Silva Neto, História da língua portuguesa (RdJ, 1957, 1970, 1979).

«Mas, apesar dos esforços da Igreja, durante muito tempo, lado a lado com as crenças cristãs, subsistiram as práticas do paganis-mo. É muito eloquente, no que se refere à Galécia, o testemunho que nos deixou S. Martinho de Dume, no seu De correctione rusticorum. || Que loucura que um cristão deixe de guardar o domingo e guarde o dia de Jove, de Mercúrio, de Vénus, de Satur-no!» (RdJ: Presença/MEC, 1979, p. 325)

5 de agosto de 2021

As lições dos mestres carismáticos

Accademia di Platone ad Atene
Mosaico da villa di T. Siminius Stephanus a Pompei 
(c. séc. )
[MuseoNazionale Archeologico di Napoli]

«A profissão de professor [...] compreende numerosas tipologias que vão desde a do pedagogo destruidor de espíritos à do Mestre carismático.»
George Steiner, As lições dos mestres (2003)

1. Letras & Números
Soube dias que o Prof. Dinis morrera, ao que me foi dado saber num acidente de viação, desconheço exatamente quando. Rondaria agora os noventa e picos. Durante muito tempo, tive vontade de rever o meu mestre-escola da Primária. Nunca calhou. Não voltei a saber nada dele. Nem sequer me lembro do apelido. Difícil de o encontrar na Net. Iniciou-me nas Letras e nos Números e demais artes do trívio e do quadrívio. Recordo-o vestido a rigor de príncipe de gales, sempre de gravata e sapatos superengraxados. Por alguma razão era conhecido por Manequim Inglês. Podia ser pior.

2. Língua & História
tempos, dizia eu a um amigo, num diário em rede que quando estava a ler pela enésima vez As lições dos mestres de George Steiner, me lembrara do Dr. Bento Monteiro, meu professor no Secundário de Língua e de HistóriaNa altura perguntei-me porquê, depois percebi ter sido o meu primeiro mestre carismático, aquele que me iniciara no universo do canto lírico e da paideia grega e me motivara a escrever e a ler ainda mais. Através da blogosfera soube ter falecido em 2008. Mais um que não voltei a ver como desejava, o Aristóteles Bigodaça, como alguns lhe chamavam.  

3. Filosofia & Dialética
E nada digo a propósito de epítetos, porque a partir do Médio os discípulos deixavam de alcunhar os mestres. Se o Prof. Barrilaro Ruas algum tivesse, seria com certeza o de Sofista Maiêutico, dado o modo como referia o método pedagógico de Sócrates, o grande mestre da Filosofia e da Dialética, nas aulas que eu frequentava no Instituto Comercial de Lisboa. Perdi-o de vista, apesar de tal como eu se ter mudado para a Faculdade de Letras. Vi-o algumas vezes na RTP, enquanto deputado do PPM, até que em 2003 os mass media anunciaram o seu passamento aos 82 anos de idade.   
 
4. Filologia & Linguística
Encontrei o Prof. Lindley Cintra já no final de vida, aquele que foi o meu Mestre de Mestres na Universidade de Lisboa, onde me iniciou no seio da Filologia e da Linguística, o estudo da linguagem nas fontes históricas antigas dos textos literários e registos escritos das diversas variantes do português e das suas congéneres românicas. Com ele aprendi que sem um conhecimento mínimo do latim e do grego, dificilmente entenderia a génese, avanço e triunfo da realidade cultural portuguesa. É que quem descura as suas origens ancestrais, empenha seriamente a sua razão de existir e dos seus.    

5. Literatura & Cultura 
Nunca perdi de vista a Prof.ª Ana Hatherly desde que a vi pela primeira vez no Príncipe Real, numa dependência da Universidade Nova de Lisboa. Sobre a minha orientadora de Mestrado e Doutoramento em Literatura e Cultura contei aqui algumas histórias que não vou repetir. Limito-me a reforçar a ideia de ser uma Mestre Prodigiosa de muitas artes e saberes, que me ajudou a olhar com olhos de ver para o Barroco. Convivemos como mestre e discípulo um quarto de século. E mais houvera se não tivesse entretanto partido para o Parnaso, o único lugar mítico que lhe pertence de direito*.

NOTAS
* No dia em que há seis anos Ana Hatherly partiu para junto de Apolo e das nove Musas, as entidades míticas inspiradoras da criação artística e científica.